terça-feira, 27 de março de 2012

Tugas nova geração: Cozinha Confidencial

NEOgastrossexual deveria ter sido o meu nome, tal a primazia que dou à descoberta - do novo ou do desconhecido - neste mundo de sentidos (in)satisfeitos pelos alimentos.

(A propósito dos alimentos. Por causa dos alimentos. Em redor dos alimentos.)

É portanto para mim inevitável a aceitação de um convite para uma descoberta (mesmo que o convite seja um desafio, mesmo que a descoberta seja uma refeição num restaurante), principalmente se a tiracolo vêm frases-tentação como "novas promessas" ou "potencial elevado".

Percorri assim recentemente mais um pouco deste percurso - que tende inevitavelmente para infinito - de descobrir tudo de todas as maneiras, pela mão dos dois jovens - provocadores? desafiadores? inovadores? - que constituem o colectivo Confidential Kitchen, Mr. Miyagi, Mr. Magoo. Referências cinéfilas, televisivas e as palavras do site,

"Conjugamos a paixão que temos nos alimentos da terra e do mar, com os conhecimentos ancestrais e tecnológicos que intensamente buscamos para os poder transmitir.

É uma cozinha nada fundamentalista, que alia tradição à inovação, conhecimento e técnica, mas cujo principal objetivo consiste em manter e realçar o sabor natural dos preciosos produtos que a natureza nos dá, natureza essa que é a nossa grande inspiração.
"

a prometerem uma boa experiência, humor, cumplicidade, identificação.

Mesa animada pela expectativa da descoberta, mesa a pedir para ser encantada, mesa provocada pelas cores e cheiros vindos da cozinha próxima.



[Ao cristalizar a experiência em palavras, relembro as palavras trocadas mais tarde: "Tendências portuguesas sem fundamentalismos. O principal tem de ser boa comida. Nós queremos que se viva uma experiência. O objectivo é que a pessoa em cada prato tenha boas sensações. Que se aperceba que cada coisa foi pensada de propósito, está ali por uma razão."]

E a experiência começa embalada pelo Blanc de Blancs da Filipa Pato,


e anunciada, prato a prato, pelos autores (ok, os títulos foram anunciados, os itálicos surgiram na conversa posterior).

Línguas de Bacalhau com Véu de mel
"O bacalhau... As pessoas ao princípio pensarem que bacalhau e mel não é uma boa ligação e depois verificarem que, afinal... As pequenas ervas juntas não o são só pelo visual, são-no pelo sabor, muito suave o poejo, o alho silvestre que liga sempre muito bem com o bacalhau e depois o aroma floral do mel."

Um "aperitivo" a enunciar alguns dos princípios que norteiam a equipa: pratos que são memória colectiva como ponto de partida, a identificação de alguns elementos chave e o risco de procurar casamentos mais inusitados, à partida menos expectáveis, usando técnicas mais contemporâneas. As línguas de cremosidade certa e a emulsão com um sabor bem pronunciado de azeite sem ser intrusivo, pesado, enjoativo. O véu, uma lâmina gelatinosa, muito suave, sabor enleante que não perturba a fruição das línguas. Muito bom.

Favas com Tomate recheado
"Tentei fazer uma apresentação muito visual em que o sabor fosse muito característico. Dei-lhe um lado muito apurado, as favas sem casca, não demasiado cozidas para não amargarem (foram bringidas só um minuto e meio). O tomate é feito com uma técnica que aprendi no Mugaritz, retirada da tradição de alguns países da América do Sul (e que consiste em mergulhar o tomate numa calda de água e cal) e que aqui utilizámos não tanto pela concentração do sabor mas pela aparência."

Entrada compenetrada das favas, "trincantes" ("tremoçantes"!), de bom sabor, finas fatias estaladiças (chips) de enchidos (chouriços de carne e de sangue), muito bem conseguida apresentação. Infelizmente, a estufa do tomate a deitar por terra o equilíbrio, aposta de elevado risco para um produto que não está de estação, impossibilitado de apresentar um mínimo de sabor. Talvez no pico da estação, a variedade certa, plena de sabores, consiga aguentar o desafio que é a sua cozedura. A ideia do recheio com espuma de fava pode ser melhor explorada. Prato que merece evolução para aproveitamento da ideia base.

Camarão ao Alhinho
"Pensei no camarão ao alhinho... Foi uma desconstrução, dos coentros, a procura de um efeito visual..."

Para mim a estrela da noite. Simples, de sabores certos, combinação perfeita, o puré com o sabor intrometido do alho, os rebentos de coentros e, principalmente, os dois molhos, o vermelho - essência da essência da cabeça dos camarões -, o verde - azeite de salsa -, um prato tuga nova geração, cinco estrelas.

Pá de borrego, esparregado, cherovia e pleurotes
(infelizmente sem foto do prato; fica a memória do borrego...)
 
"Tem uma apresentação muito bonita, mas não vale só por isso, vale pelo sabor que tem, um esparregado muito cremoso com o sabor a alecrim, a cherovia que é super-aromática (mergulhada previamente na calda de cal, cozida em água e sal e depois corada), o borrego, cozinhado a baixa temperatura e depois corado e que fica com uma textura fantástica e o molho de carne e cogumelos"

Muito bom também, a cherovia é uma estrela por direito próprio, tanto visual como gustativamente, muito bem trabalhada tanto na superlativação do gosto como na manutenção da forma. O esparregado de alecrim mereceria ser vedeta em prato próprio tal a excelência da textura como o prazer que o sabor proporciona. Casamento acertado e a peça de carne cozida a baixa temperatura, bem apresentada e confeccionada.

Sonho de abóbora com creme brulée de queijo de cabra
"O sonho surgiu em gelado para não ser demasiado pesado. As ervas são muito importantes, ligam muito bem com o queijo, Fazem-me lembrar um queijo mais aromatizado, não tão artificial, mais intenso e complexo. Canela a lembrar o sonho..."

Queijo de cabra, sonho de abóbora, merengue de canela, oxalis e hortelã da ribeira. O prato que menos arrisca na escolha dos ingredientes e do casamento. Bem confeccionado, mostrou agradar aos adeptos da doçaria. (Não sendo um convertido muito convicto, para me arrancar aplausos as sobremesas têm de ser estratosféricas...) Gostei do azedo da oxalis a perturbar o locus amoenus do prato...

Referência para os vinhos servidos, bem escolhidos e boas companhias, com uma palavra especial para o Teoria que não conhecia e que me merece os maiores encómios.



Aprovação total para esta quase neófita parceria, gente compenetrada e que merece apoio no desenvolvimento do sonho que acalenta. Gente que revela espírito curioso e abertura ao mundo, mais na aprendizagem de métodos e abordagens do que na cópia das soluções. Gente deste tempo que pergunta convicta, em vez de porquê, porque não?

Misters, estou do vosso lado.

Confidential Kitchen
Contactos e mais informações: http://confidentialkitchen.com.pt

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