sábado, 31 de julho de 2010

Ervas (I)

Ainda que a situação tenha vindo a melhorar, é normalmente confrangedor o aspecto da secção das verduras na quase totalidade dos nossos super e hipermercados (excepção seja feita ao Corte Inglês - mas não lhe podemos propriamente chamar "nosso", não é?). Os legumes são pouco variados e, em certos dias, só deveriam servir como arma de arremesso à cabeça dos (ir)responsáveis que gerem a secção, tal o seu aspecto - murchos, feios e maus. As ervas, coitadas, começaram por ser um escandaloso negócio (alguém que se lembra que costumavam ser oferecidas (ainda o são nas praças e mercados)?), reduzido à sacrossanta trindade salsa-coentros-hortelã. Durante anos e anos encontrar algo que passasse para além destas era um quase milagre. Depois, alguém deve ter recebido umas dicas - ou algum promotor mais arrojado lá convenceu os gestores - e lá começaram a aparecer alguns espécimes. Na versão vaso-cheio-de-raízes-feito-para-durar-pouco-nas-mãos-de-amadores primeiro, agora em embalagens decentes. O problema é que existe pouca disposição para informação. E, sem esta, os compradores rareiam, deixando os stocks nas prateleiras dias e dias. Não é animador - nem para quem procura ervas frescas e encontra melados sucedâneos com dias de bancada, nem para quem quer fazer negócio.

E as ervas na cozinha são dos melhores investimentos que se pode fazer. Investimento sensorial que nos deixa a vista e o olfacto regalados e o palato consolado.

Alecrim... aos molhos. No porco, é uma delícia

Aneto - o salmão, fumado ou "cozido" no limão exige-o

Cebolinho - picadinho, misturado com requeijão e pimenta é uma delícia. Corta-se melhor com uma tesoura e casa muito bem como uma bela salada de alface ou com tomate cereja e queijo branco, por exemplo

Estragão - Nunca me convenci muito com esta erva de sabor adocicado... Os franceses adoram-na e usam-na com profusão. Uma caçarola ou fricassé de frango melhoram muito com a sua adição

Manjericão - Ah, a rainha das ervas! Perfuma com nenhuma, é imprescindível no pesto (azeite, pinhões, queijo ralado) e brilha com tomate e mozarella



Oregão - Dispensa apresentações para qualquer português... ou não? Normalmente só se encontra à venda a versão seca, fresca tem uma aplicação mais fácil. Em qualquer prato de cozinha alentejana, em qualquer prato de carne... Experimentem-se batatas às rodelas previamente cozidas, fritas em azeite com uma generosa adição destas folhas


Salva - Salva-nos a alma, frita com um bife. Erva tipicamente italiana, vale por si só, frita em azeite e degustada como "chip" pré-industrial

Tomilho - Em todos os guisados, tem um primo-limão que adiciona o aroma do limão e que se torna viciante

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Tapas (I)

No hipotético campeonato da sociabilidade, Portugal tem muito a aprender com os seus vizinhos de jangada. Não é que nos faltem os petiscos; falta-nos o hábito de os rodear de conversas, de caras bem dispostas, de amizade, de gosto pela vida.

Ainda ontem me referia às tascas lisboetas, lugares de culto sim, de belas experiências gustativas, mas tão cheias de melancolia lusitana Estará tão arreigada esta católica culpa pelo exercício da culpa que nos leve a obliterar o adicional prazer da companhia na degustação de um petisco?

Tapas. De tapas é que precisamos. Com amigos à volta. Porque ainda que não se partilhem prazeres os prazeres podem ser compartilhados.
Ovas (beluga para os loucos, sevruga para os slightly less loucos, ovas para os restantes...) com uma tirinha de boquerone a aconchegar
Paté de fígado, butifarra e tira de pimento
Para os estritamente vegetarianos: pesto e tomate
Chipirones on the make: juntar de seguida ovos e mexer até àquela consistência melosa que nos afina os sentidos. Sobrevoar com pimenta e aspergir com salsa muito picadinha 

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Tascas de Lisboa (I)





São anacronismos nesta Lisboa pós ASAE. As tascas, como eu ainda as conheci, de bancos periclitantes, frigideiras em constante fritura, cozinheiro de garfo em riste e avental gorduroso à cintura, de comida segura e sabores apurados por décadas de experiência, se sobreviveram à migração das populações, à cobiça dos bancos ou às modas nutricionistas, dificilmente fugirão à norma europeia, à cega e tosca aplicação da lei, à ambição policial de um qualquer funcionário fardado.

Num canto do Rossio ainda sobrevive esta, e mesmo com um vidro pelo meio, o apelo daquela frigideira, no anoitecer decrépito desta Baixa desabitada, era elevadamente tentador.

Numa tasca comi eu há um quarto de século umas iscas com elas que ainda me não abandonaram a lembrança. Muitos anos depois, passei em romaria e dei de caras com um restaurante indiano... Hoje anuncia-se italiano.

Albino Forjaz de Sampaio evocava em 1940 um passado de glória culinária deste prato tão lisboeta que fez as delícias de burgueses e populares. A prosa é tão irresistível que a transcrevo:

"(...) Ia-se às iscas. Ah! Mas não se pense que as iscas eram o que são hoje. Não. Perdeu-se a poesia das iscas. 

(...)

A casa das iscas da Travessa do Cotovelo era a mais afamada. Vastíssimo armazém, tinha ao pé da porta a chaminé onde o cozinheiro, defronte de uma enormíssima e negra frigideira de ferro, armado de um comprido garfo também de ferro, revolvia no molho as ultrafinas fatias do saboroso fígado. O cozinheiro era sempre galego, conhecido em calão por frege-moscas, e o segredo da sua preparação culinária, quanto a nós, devia-se a dois factores especialmente: primeiro, à espessura quase inverosímil da isca. Espessura negativa, que exigia na sua confecção adestramento e faca; segundo, a que nunca se lavava a frigideira a não ser de anos em anos, quando os cozinheiros iam à terra, para deixar malparados os créditos do substituto.

Com banha de porco e baço raspado, as iscas saídas do alguidar onde estão de molho em vinagre, sal, pimenta, louro e alho, saltam na ponta do garfo e espalham-se na frigideira. O fígado penetra-se do gosto dos condimentos e abre num cheiro maravilhoso. Nos primeiros tempos, o garfo e a faca de ferro dos fregueses eram pregados à mesa, umas enormes e compridas mesas, servidas por um banco único de cada lado onde se entrava ou pelo princípio  ou passando a perna. Os pratos das iscas eram típicos e próprios, pequenos, de louça ordinária, e parece mesmo que só comidas neles, com a faca e o garfo próprios, de ferro tosco, elas têm o seu verdadeiro sabor. (...)"

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Risoto (I): de flores de courgette



Facto 1 - Em Portugal, muito tem de porfiar um mortal comum para encontrar flores de courgette à venda. Felizmente que a Mercearia Criativa começou a fazer parte da solução.

Facto 2 - Rechear as flores e fritá-las em polme parece-me o melhor método para as degustar.

Facto 3 - Os fritos não são a melhor maneira de proteger os meus cada vez mais sensíveis orgãos internos.

Na verdade, só a água parece ser o alimento seguro para me prolongar a saúde, pelo que, salto os fritos - o Gemelli fez uns deliciosos, recheados com ricota, no outro dia na Mercearia... - e passo directamente para um risoto.
1. Refogar demoradamente a cebola picada em azeite e um pouco de água (para baixar a temperatura e evitar queimaduras); acrescentar o Arborio e deixar tomar gosto, impregnando-o bem da gordura
2. Abrir as flores, retirar o pistilo
(Ei-las, decompostas, pétalas, órgãos e pés)
3. Entretanto, cozer o polvoretto (NOTA: artigar sobre o modo mais eficaz de cozer o polvo)
4. A meio da cozedura do arroz, depois de, pacientemente, ir deitando conchas de água da cozedura do polvo - uma de cada vez e só depois da evaporação/assimilação da anterior -, acrescentar os pés de courgette...
... depois os órgãos, inteiros...
... depois o polvo picadito...
... por fim, as pétalas.
5. Fora do fogo, um pouco de manteiga e voilá.

Que alma não ascende mais umas nuvens em direcção ao Paraíso com um belo risoto?

terça-feira, 27 de julho de 2010

Tamboril a la Florentina

Bandeira de Itália.

Cama de espinafres, cozidos. Lençol de tamboril, cozido, em pedaços, Cobertor de molho branco (pimentinha e noz moscada em doses a considerar por cada um). Colcha de fatias de queijo.

No forno, para ambientar e corar.

E o vermelho que falta? Na salada de tomate, com azeite generoso (e umas pitadas de oregãos, para os alentejanos at heart).

E eis um belo jantar para dois.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Restaurante Assinatura, Lisboa (I)


Segunda incursão (a primeira foi no pré-lançamento) ao Assinatura, primeiro projecto a solo do Henrique Mouro, Novamente o mesmo nível elevado de prazer, desta vez mesmo junto à cozinha, na "mesa de amigos" que o restaurante em boa hora criou. O motivo, o menu "Cascas e Pinças" em apresentação de dois dias (20, 21/7).

So here goes... o menu visual, com as notas escritas no momento. As fotos foram retiradas do face do restaurante, já que a minha maquineta, por esquecimento, ficou em casa.

Couvert: Peixinhos do mar (navalha/ lingueirão) e da horta com fita de salicórnia e redução de mel 
Pastel de sapateira, num creme (um "ouriço" com aletria como picos; o creme, uma bisque cozida com arroz carolina para lhe ganhar a goma)

Sopa seca de ameijoas no forno (*****! O poejo faz a diferença; ovo escalfado de codorniz)
Vieiras na chapa e com mexilhões (caldo de cozedura com brunaise de batata, aipo e cenoura com nata)

Cavala e berbigão de caldeirada (fumada (e salgadíssima!); sobre tomatada e ar do caldo)

Camarão, manga e côco numa flôr (coco tostado; flor de courgette recheada com camarão, manga; molho de caril)
Lavagante e pézinhos de coentrada (!!! Puré de batata doce)
Ostras em leite-creme queimado (com gelado de espumante (c/ baunilha?); não muito doce - não se encontra presença da ostra; só sugestão)
A "sopa seca" e o "camarão numa flôr" foram as estrelas, mas os restantes pratos ficaram bem perto. Não fora o excesso de sal na cavala e na brunaise, o jantar teria sido superlativo. Não obstante, 4.8/5.
Vinho: "Vinha Paz", Dão
Degusto para café: Trufas de figo!

domingo, 25 de julho de 2010

PORCONHÁLIA

Não sei porque retorno.

Talvez seja uma coisa de memórias, pessoais e colectivas que mantenha este apego a ir beber umas imperiais e comer um bife a uma cervejaria.

Infelizmente, em Lisboa, cervejarias com patine só temos duas, a Trindade e a Portugália da Almirante Reis. A Trindade está sempre quilometricamente cheia. A Portugália está, apesar dos face liftings promovidos pela gerência do grupo, do sucesso da sua irmã à beira-rio, dos menus de almoço e da suposta cozinha mais elaborada, completamente decadente.

Caí na asneira de lá ir hoje. Apesar da correcção brasileira do empregado, os bifes chegaram mornos à mesa; as batatas, moles; a cerveja, fraca e monocórdica. Para desgraça nossa, a casa-de-banho do 1ºandar ou não tinha sido objecto de limpeza durante todo o fim-de-semana ou o edifício está com um grave problema na sua canalização: o nauseabundo cheiro que nela existia espalhava-se subtil pela sala.

Serviço fraco, má cozinha, pouca variedade... eis um cadáver adiado que só a tradição mantém a respirar.

sábado, 24 de julho de 2010

Restaurante Umai, Lisboa (I)


O Umai é um local que gostamos de acarinhar. Porque o Paulo Morais, a Ana e toda a equipa nos põem um sorriso de encantamento e os olhos a brilhar de cada vez que nos colocam à frente uma das suas criações e nos provocam um suspiro de contentamento quando os experimentamos. Porque nos sentimos lá bem. Porque a equipa é despretenciosa sem perder de vista o profissionalismo. Simpática. Totalmente user friendly.

Não me canso de lá ir. Nem de o publicitar aos amigos.









quinta-feira, 22 de julho de 2010

Azeites (I)

AZEITE DE PIMENTO AMARELO
  • Pimento no forno a 80º, 2 horas, papel alumínio
  • Triturar com 100 ml de azeite; coar

AZEITE DE AZEITONAS
  • Azeite + vinagre balsâmico: 10:1
  • Azeitonas pretas: 1/2 azeite
(Miguel Castro e Silva, "Largo" in "Lulas grelhadas com batatas coradas")

Reduções, vinagretes, azeites compostos...

Mantém-se viva esta moda de decorar, visual e palativamente, os pratos com "riscos" destas emulsões.

Regra sendo, o que fica em causa é, não a sua utilização, antes a coerência interna e externa de sabores. Mas até esta última se torna difícil de tipificar dada a cada vez mais constante tendência para ultrapassar consensos seculares através da procura de combinações originais, fora dos cânones tradicionais ou dos casamentos locais promovidos pela proximidade da origem dos ingredientes.

Que o vinagre balsâmico se internacionalizou, não é novidade.

Já o pimento amarelo, variante enjoada do nosso verde acompanhante de sardinhadas estivais, procura aqui a conivência da lula para se afirmar. Não me parece mal; a experimentar irei.

NOTA FINAL - Umas batatas insufladas à Ramalho poderiam aqui ser um adicional motivo de interesse.