quarta-feira, 31 de agosto de 2011

A propósito da crise

Em resposta ao João Pedro:

"Criado em 1994 pelo SESC São Paulo, e ampliado para todo o Brasil em 2003 pelo Departamento Nacional do SESC, o Mesa Brasil SESC é uma iniciativa permanente de ação social e educativa que integra empresas, instituições sociais e voluntários. Tem por objetivo contribuir para a diminuição do desperdício de alimentos e da má alimentação, estabelecendo uma conexão entre empresas que doam alimentos e instituições que recebem essas doações. Junto às instituições sociais beneficiadas, desenvolve uma série de atividades educativas sobre higiene, conservação, preparo de refeições e variadas formas de se evitar o desperdício de alimentos.

Quando se fala em aproveitar, não desperdiçar, ou não desprezar alimentos, utilizam-se conceitos que, se bem compreendidos, podem se transformar em atitudes. Atitudes estas que agregarão valor nutricional às refeições preparadas. Uma boa cozinha é aquela na qual nada é desperdiçado. Às vezes não percebemos, mas na nossa cozinha há muita coisa indo para o lixo sem necessidade (...)

Com o objetivo de intensificar as ações educativas já desenvolvidas junto às instituições sociais credenciadas no Mesa Brasil SESC SP, especialmente aquelas relacionadas ao aproveitamento integral dos alimentos, o SESC São Paulo, em parceria com a Arno, por meio do seu Projeto de Responsabilidade Social, iniciou uma série de oficinas culinárias para o desenvolvimento de novas receitas com o aproveitamento integral de alimentos. Dentro deste contexto, e com o objetivo de motivar ainda mais a prática do aproveitamento integral, foi lançado o Festival de Receitas, envolvendo as instituições sociais participantes destas oficinas.

As receitas enviadas por manipuladores de alimentos e equipes de cozinha dessas instituições sociais foram analisadas sob os critérios de aproveitamento integral, criatividade, economia, valores nutricional e calórico, apresentação visual, características sensoriais e facilidade de preparo. Dez receitas foram premiadas, e o conjunto das 29 receitas enviadas deu origem a esta publicação (...)"


Cocada de Beterraba com Cenoura
Ingredientes do suco
6 cenouras
8 beterrabas
1 litro de água
Açúcar a gosto
Modo de preparo do suco
Coloque no liquidificador a cenoura, a beterraba e a água e bata. Em seguida peneire a mistura e reserve as fibras que ficarem na peneira. Suco: No líquido que é retirado, colocar mais água (cerca de 500ml) e adoçar a gosto.

Ingredientes para a cocada
1 pacote de 100 gramas de coco ralado
1 kg de açúcar (aproximadamente)
Fibras reservadas
Modo de preparo da cocada
Coloque os ingredientes em uma panela em fogo médio. Cozinhe, mexendo sempre até que a cocada desprenda do fundo da panela. Retire do fogo e deixe esfriar. Modele as cocadas com uma colher ou com as mãos.


O caderno com todas as receitas pode ser descarregado aqui.

Bisbilhotando o acervo da página, ainda se descobrem mais colectâneas. Não resisto a transcrever esta:

Bife de casca de banana
Ingredientes
• Cascas de 6 bananas maduras
• 3 dentes de alho
• 1 xícara de farinha de rosca
• 1 xícara de farinha de trigo
• 2 ovos
• Sal a gosto
Modo de Preparo
Higienizar as cascas das bananas e lavar em água corrente. Cortar as pontas. Retirar as cascas na forma de bifes, sem parti-las. Amassar o alho e colocar numa vasilha junto com o sal. Colocar as cascas das bananas nesse molho. Bater os ovos como se fosse omelete. Passar as cascas das bananas na farinha de trigo, nos ovos batidos e, por último, na farinha de rosca, seguindo sempre esta ordem. Fritar as cascas em óleo bem quente. Deixar dourar dos dois lados. Servir quente


Descarregar aqui. E ainda aqui.

Duas Receitas de Sardinhas


Conta-se que um dos nossos reis, tendo uma vez provado sardinhas, prohibira, com grandes penas, que tornassem a entrar nas suas cozinhas. Achou-as tão saborosas, que temeu, se se afreguezasse, fazel-as encarecer, e privar o povo de poder continuar a compral-as.

Ora, que faria se Sua Magestade me tivesse tomado por cozinheiro, e eu lhe preparasse os dois pratos, de que vou dar receita ao meu querido amigo Plantier? Mandava-me cortar a cabeça . . se eu as fizesse para mais alguém.

Sardinhas Maria Luiza — Escamam-se, estripam-se e descabeçam-se vinte e quatro sardinhas bem frescas; tirase-lhes a espinha dorsal e arranjam-se com sal, n'um taboleiro de fogão, mettendo1o no forno bem quente. Emquanto as sardinhas se passam, batem-se três ovos, com sufficiente queijo de cabra ralado, uma pitada de pimenta moida, e uma colherinha,de vinagre. Voltam-se as sardinhas, e tornam a bater-se os ovos. Logo que aquellas estejam um pouco assadas, toma-se uma frigideira de folha, esfrega-selhe o fundo com um dente de alho, põe-se boa manteiga de vacca, em pequenas porções, por todo o fundo da frigideira. Batem-se novamente os ovos, juntando-se-lhes pão duro, ralado, em porção sufficiente para tornar o liquido espesso ; e, acto continuo, passam-se as sardinhas n'esse molho, de modo que fiquem bem ensopadas, e põem-se na frigideira, em posição graciosa e artistica; deita-se-lhes por cima pão duro, ralado bem fino, e mettem-se no forno até ficarem bem alouradas, mas não muito secca.Servem-se em seguida.

Este prato não é indigno de ser acompanhado com vinho do Rheno; mas não o havendo, pede Bucellas, que não é peior.

Sardinhas recheiadas á Gomes de Amorim — Preparam-se. vinte e quatro sardinhas como as antecedentes, e recheiam-se com picado de ostras, ou de qualquer outro marisco, salsa e cebola, tendo sido o picado previamente cozido quanto baste. Vão as sardinhas ao forno, como na primeira receita, fazendo-se uso de sal refinado. Passam-se por sua vez pelo mesmo molho, alouram-se, como as primeiras, como pão torrado, e servem-se. Advirto que o recheio é mettído logo que ellas vão a primeira vez ao lume.
Servem-se com os mesmos vinhos.

F. Gomes de Amorim.




F. Gomes de Amorim
(Fonte: blioteca Nacional)
"O Cozinheiro dos Cozinheiros" é uma colectânea de receitas coligidas e publicadas  pelo editor Paulo Plantier, tendo atingido notável sucesso tanto em Portugal quanto no Brasil, onde foi objecto de edição local. Tem a curiosidade de conter contribuições de alguns dos mais ilustres homens de letras da altura (foi lá que Ramalo Ortigão obteve a sua fama de gastrónomo com as "suas" batatas insufladas). Bulhão Pato também contribuiu, ainda que nela não figurem as bigger-than-man amêijoas homónimas.

F. Gomes de Amorim foi, como Almada poria, décadas mais tarde, poeta, escritor "e tudo", não tendo passado ao futuro em mais do que rodapés de bibliófilos e académicos (o que não quer dizer que a sua influência tenha de todo desaparecido). As receitas, não sendo totalmente novidade, merecem, no entanto, experimentação, valendo isso sim, pela escrita deliciosa, a pedir seguidores nos dias presentes.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Culinária de Lisboa #36 - Bifes de Cebolada

Querida Mô,

Uma cidade é feita da sobreposição de ocupações que vão deixando a sua marca mais ou menos perene, mais ou menos visível, mais ou menos ignorada. Cerzida aos seu cantos mais recônditos existe uma teia de memórias que se recusam (apesar dos esforços encarniçados do poder) a partir. Esta é uma das suas magias, a capacidade de resistência ao tempo e à acção dos homens, a perenidade de nomes que o presente pressente obsoletos mas que cada nova geração continua a adoptar.

É o caso da Praça do Comércio, para sempre Terreiro do Paço apesar dos esforços conjugados do sismo (o de 1755, para todo o sempre “O” Sismo, recordista nacional até ao próximo grandessíssimo abanão, top ten mundial de todos os tempos categoria cidades terraplanadas, primeira página de jornais durante meses... “O” Sismo) e do senhor Marquês (Sebastião José de tal e tal, para os lisboetas “O” Marquês, apesar dos Marialva e dos Fronteira que por aqui, no seu tempo, deixaram impressão). É igualmente o caso do Campo (de) Santana, apesar dos Mártires da Pátria que uma Nação aliviada nele quis inscrever.

Campo não menos turístico nas preferências e conhecimento de quem nos visita, mas não menos interessante, começando as suas surpresas nos caminhos que a ele levam. Pondo de parte as traseiras – ou seja, esquecendo o discreto edifício da embaixada italiana ou os secretos muros de Rilhafoles que albergarão, um dia, um surrealista museu de (à falta de mais feliz expressão) arte psiquiátrica que nos interromperão o percurso – e ascendendo ao planalto a partir da Liberdade podemos optar entre o must do elevador do Lavra (poderemos, quando finalmente a sua reparação terminar), essoutro ascensor amarelo que, oculto pelos prédios da avenida, deixa o protagonismo ao seu simétrico vizinho da Glória e a penitência da rua das Pretas, trezentos metros de subida de categoria extra, com uma inclinação tirada a sentimento pelo trepador oscilando entre os dez por cento iniciais e os mais de 60 nos últimos metros. Se lhe estivesse a escrever nos idos de oitenta, recomendaria sem reservas a segunda opção, quanto mais não fosse o primeiro quarteirão, para uma paragem de reabastecimento numa tasca que por lá havia e onde comi as mais genuínas, deliciosas, revigorantes chamuças de Lisboa. Baratas como só numa tasca as poderíamos encontrar, honestas como só esses tempos poderiam oferecer, grandiosas como nunca mais as senti. Passei por lá, em romaria de saudade, há uns anos: nem cozinheiro indiano, nem dono, nem sequer já tasca – um deslavado e completamente-cumpridor-das-normas-sanitárias-europeias antro de mal comer.


Parece um obstáculo intransponível este Adamastor de colina e, no entanto vale a pena insistir, pelo desnivelado jardim nele incrustado (que a última intervenção camarária deixou perdido entre o seu luso-romantismo de origem e a perfunctória opacidade funcional), com a atraente vista do vale e da encosta dianteira, o diálogo com o irmão fronteiro de S. Pedro de Alcântara e a promessa do rio, ao fundo. Desembarcados no topo, espera-nos uma gracinha de rua, com meia dúzia de senhoriais moradias, muito fora do construir em pequenino e económico que parece imagem de marca de grande parte do país que nos leva então até ao Campo. Surpresas várias, da estátua evocativa rodeada de centenas de anárquicas placas de agradecimento ao aparentemente abandonado edifício do Patriarcado, do enorme edifício da faculdade com uma arquitectura muito mais pequena a algumas curiosidades arquitectónicas em construção chã.

Ao centro o jardim, o jardim onde os Mártires foram criados pela mão opressora dos amigos aliados que, vindos para ajudar, prolongaram a sua estada por mais uns anos com a justificação de pôr ordem no país. O rei no Brasil a assobiar para o sabiá enquanto as aventuras napoleónicas não cessavam de vez, os "amigos" ingleses a tentar eliminar quaisquer resquícios de heranças jacobinas, os nacionalistas lusos a contestarem-nos, caldinho perfeito para uma punição exemplar na pessoa de Gomes Freire e correligionários, aqui executados urbi et orbi.

Esquecemo-nos injustamente destas pequenas perfídias quando babados, discursamos a antiguidade da aliança que mantemos com eles desde que contratámos uns archeiros para ajudar a dar fama à técnica do quadrado que o engenho da sobrevivência desenvolveu em finais de Trezentos. Pergunto-me se por nos continuarem a gabar o vinho do Porto, a enviar charters de white trash para o Algarve ou nos terem habituado ao gosto do bife. Alguma coisa há-de ser.

BIFES DE CEBOLADA

4 bifes do pojadouro; 100 gr manteiga; 1 folha louro; 1 cebola grande; 2 dentes alho; 1 dl vinho branco; sal e pimenta.

Temperam-se os bifes com sal e pimenta.

Numa frigideira funda, derrete-se metade da manteiga, nela se refogando a cebola cortada às rodelas, os alhos picados e a folha de louro. Assim que a cebola estiver mole, adiciona-se o vinho e deixa-se apurar. (Variante: Acrescentam-se três tomates sem pele esmagados, sem pevides.)

Enquanto o molho apura, derrete-se a restante manteiga noutra frigideira. Quando estiver quase a fumegar, vã-se fritando os bifes um a um, deixando-os apenas tomar cor de cada lado, de maneira a que fiquem mal passados, com o interior ainda cru.

Acrescentam-se os bifes ao molho, deixando-se tomar gosto por um minuto e servem-se com a cebolada por cima.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Gastrohistória (I)

"A sala das refeições

Eis, minhas senhoras, o nosso ponto de concentração: é aqui que devemos procurar, na simplicidade e modéstia, ornal-as de pequenos attractivos; é nesta sala, onde passamos entretídas, onde se formam e começam todas as palestras, da mais chã á mais erudita. A leitora que se vae casar ou já se casou, pensa em tornar a sua casa um ninho de ideal de felicidades e bem estar, imaginando a existência do seu lar como conseqüência do amor, sinceras alegrias, impressões e surprezas causadas pelo seu espirito investigador, resume nesta sala as impressões e surprezas causadas pelo seu espirito investigador, resume nesta sala o empenho de realisar o seu ideal. Procura o seu papel de boa dona de casa, proporcionando ás pessoas presentes, de sua intimidade, mostrar uma novidade, um conto interessante,um desenho ou pintura feita por si, uma costura em que procura esmerar-se. A noite faz uma receita das despezas do dia, lê uma obra instructiva, joga ou recorta papeis para o gaz, arruma seus livros na estante ou aproveita escrever a seus parentes. Assim aproveitamos com resultado o nosso tempo, enchendo essas horas de labor doméstico, de seductora intimidade.

Quando não a vantagem que se nos apresenta em deliberarmos ir em visita, a uma reunião, theatro, faz-nos sahir da monotonia de todos os dias, si o espirito da leitora é volúvel, fugitivo, dado a novas distracções. Mesmo assim, quem não se sente feliz no seu lar, rodeado de seu esposo, um homem intelligente e cultivado, e seus filhos?

A nossa mesa deve estar adornada, sempre que pudermos, com uma simples jardineira ou um vaso de flores. Nas refeições deve sempre ter uma alva toalha e guardanapos, tudo em harmonia com os talheres e copos,louça bem lavada e tratada.

Ser boa dona de casa, eis a nobre missão da mulher;si ella pode reunir a essa principal qualidade dotes de cultivo pelas artes, musica, pintura, litteratura, pôde se considerar a mais elevada creatura, feliz, dessa felicidade que ennobrece-a, eleva-a, tornando, aos que a rodeiam, ditosos, engrandecidos.

Ainda é na hora das refeições que se conhece a pessoa bem educada, que uns avaliam aos outros pelo seu modo de comer, a sua posição, a sua conversação e escolha de palestras, resumindo ou augmentando a voz, as palavras e qualidade de conversa. Durante as refeições devemos falar pouco, é fina educação."


[in "A SCIENCIA NO LAR MODERNO CORRIGIDA E AUGMENTADA; Nova colleção de receitas de doces, iguarias, petiscos e tudo o que diz respeito á arte culinária, já conhecida pela pratica da autora D. EULALIA VAZ Professora da Escola Profissional de São Paulo. LIVRO ÚTIL E NECESSÁRIO AS BOAS DONAS DE CASAS
Quarta edição, 1912"]

Bolas, que chato era ser mulher em 1912

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Gastroescritas (fora de série): O Cheiro da Noite

(…) E chegaram os pirciati. Cheiravam a paraíso terrestre. O bigodudo ficou encostado à ombreira da porta, como que dispondo-se a assistir a um espectáculo. Montalbo resolveu deixar o cheiro entrar até ao fundo dos pulmões. Enquanto inspirava sofregamente, o outro falou.

- Quer uma garrafa de vinho à mão, antes de começar a comer?

O comissário fez sinal que sim com a cabeça, não tinha vontade de falar. À sua frente foi colocado um jarro, um litro de vinho muito denso. Montalbano encheu o copo e levou à boca a primeira garfada. Engasgou-se, tossiu, subiram-lhe as lágrimas aos olhos. Teve a sensação nítida de que todas as papilas gustativas tinham pegado fogo. Esvaziou de um só trago o copo de vinho, que, por sua vez, tinha uma graduação que não era para brincadeiras.

- Coma muito devagar e aos poucos – aconselhou-o o empregado-dono.
- O que é que tem cá dentro? - perguntou Montalbano ainda engasgado.
- Azeite, meia cebola, dois dentes de alho, duas anchovas salgadas, uma colher de alcaparras, azeitonas pretas, tomate, manjericão, meia malagueta picante, sal, queijo de ovelha e pimenta preta – enumerou o bigodudo com uma nota de sadismo na voz.
(...)

(Andrea Camilleri, O Cheiro da Noite, tradução de Simonetta Neto)

NOTAS
Pirciati é uma massa parecida com os bucatini; uma espécie de esparguete oco, mais grosso.

Os ingredientes são os constituintes do molho.

Não é tão picante assim. Salgado, especioso e a pedir muito vinho para acompanhamento, isso sim. Lingrinhas, estes polícias sicilianos de romance.

Os livros de Camilleri também valem a pena. Descobri este, perdido e ainda por ler, nos livros levados para as férias de 2004. Ficam escondidos às vezes, num canto da estante, para fazerem BU! quando passa um distraído. Este soube-se fazer esperar.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Culinária de Lisboa #35 - Santola fria

Querida Mô,


Restauradores, Setembro de 1975
(Fonte: http://abril-de-novo.blogspot.com)


Naquele quente de mais de uma maneira Verão em que a menina daqui se foi, Lisboa estava efervescente. Se o país ebulia, na sua capital destilava-se uma anárquica loucura que parecia colar-se a tudo. Manifestações para todos os gostos, reivindicando umas, protestando outras, solidarizando-se as demais. Papel por todo o lado, nas paredes em policromados cartazes, jacentes no chão dos corredores do Metro, frases e frases de palavras irregularmente impressas pela má qualidade do stencil. Murais no amarelo e vermelho oficiosamente oficiais, frases imperiosas a par de ironias sibilantes na caligrafia má do pincel. Muita côr, muita excitação sob um céu pristino e um calor abrasador. Na televisão, toda esta paixão reproduzia-se na força dos discursos e na natureza dos textos jornalísticos, que só o preto e branco amenizava. Vibravam os cidadãos, uns de esperança, outros de receio, outros por contágio.


Nestas sezões, de bolsos cheios pela recém-chegada riqueza trazida pelos aumentos salariais, os operários da cintura industrial enchiam as marisqueiras da Baixa em busca do luxo culinário cobiçado toda uma vida. Com a anterior clientela emigrada ou sem tempo para descanso(empenhada que passou a estar na luta política contra o apetite hegemónico dos extremos), apropriaram-se dos espaços, transformando-se nos seus novos senhores, logo originando histórias e anedotas rapidamente passadas de boca em boca, para escândalo e menosprezo da classe média, perpetuamente no meio, perpetuamente a ver a banda passar.


Terá sido por isso que a minha relação com essas casas ficou para sempre comprometida. Lugares de muita parra e pouca uva, de matérias primas fortemente sobrestimadas, cozinhadas com desleixo para uma plateia sem cultura gastronómica, deslumbrada com o vermelho das cascas, a profusão de pinças e patas e a sua capacidade para pagar uma conta com tantos zeros. A devoção passada a vulgaridade. Uma lástima.

SANTOLA FRIA

1 santola; 1 dl azeite; 3 ovos cozidos; 1 c. chá mostarda; 2 c. sopa vinagre; 1 cebola pequena; 1 ramo salsa; pipri-piri; sal

Lava-se e esfrega-se a casca da santola com uma escova. Põe-se a cozer em água a ferver, temperada com bastante sal, durante meia-hora. Tira-se da água e deixa-se arrefecer.

Põe-se a santola de barriga para cima, puxa-se a cauda para a quebrar, a qual traz agarrada uma tripa escura. Tiram-se patas e pinças. Escorre-se o líquido da casca para uma tigela, mistura-se com uma gema cozida e bate-s ebem para engrossar. Junatm-ser os ovos picados, azeite, mostarda, vinagre, cebola e salsa picadas e a carne das pinças e patas cortadas aos bocados. Tempesa-se com sal e piri-piri. Lava-se a carapaça e deita-se a mistura que se serve sobre uma folha de alface.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Portugal Gastronómico #72 - Vieira do Minho

(Fonte: Wikipedia)
(Fonte: viajar.clix.pt)

Produtos DOP e IGP:

Integrado na área de produção de:
  • Cabrito das Terras Altas do Minho IGP
  • Carne Barrosã DOP
  • Mel das Terras Altas do Minho DOP

Bebidas:

Vinhos

Integrado na área de produção de:

DOP “Vinho Verde”, Sub-região Ave

Castas
Tintas: Amaral, Borraçal, Espadeiro, Padeiro e Vinhão
Brancas: Arinto (Pedernã), Loureiro e Trajadura

Outras


Produção concelhia:

VITELA BARROSÃ


A Gastronomia Vieirense tem o seu expoente máximo na Vitela Barrosã, sendo um dos ex-líbris do concelho e dos pratos mais apreciados e mais procurados pela gente da terra e pelos visitantes. Em naco, grelhada ou assada a vitela é uma deliciosa tentação e expressão de bem receber.
Em Vieira do Minho, o gado de origem Barrosã pastoreia grande parte do ano nas encostas e prados da Serra da Cabreira o que lhe confere um sabor único e uma textura tenra e suculenta. Esta pode ser degustada nos restaurantes ou adquirida nos talhos do concelho.

MEL
O mel produzido em Vieira do Minho é extraído pelas abelhas das flores de plantas que vivem ainda no seu estado selvagem, tais como, urze, tojo, carvalho, entre outras. Estas plantas conferem ao mel características únicas quanto ao sabor, aroma e cor, que se traduz num produto de excelente qualidade.
O mel faz parte da doçaria tradicional e serve para regar as rabanadas, o queijo, os barquilhos e para a confecção de outros doces.
No concelho, existem vários produtores, cujo mel se encontra à venda no posto de turismo.

(Textos e fotos: Posto de Turismo V. Minho)

Produtores / Fabricantes:

Vinho verde e produtos hortícolas:
Quinta de Calvelos (a esta data, o único vinho verde de produção no concelho)
Soengas - Vieira do Minho
Tel.: 253 647 582 ; 919 502 538 ; geral@quintadecalvelos.com ; www.quintadecalvelos.com

Carne Barrosã:
Talho do Alberto
Penedo - Ventosa CP 74, 4850-454 Vieira do Minho
Tel.: 253 640 195

Talho Pereira
Cerdeirinhas - Tabuaças, 4850-422 Vieira do Minho
Tel.: 253 647 155 ; 914 907 028

Talho Jorge Antunes
Rua João de Deus N180, 4850-535 Vieira do Minho
Tel.: 253 648 948 ; 967 221 315

Cabrito:

Humberto Pires da Silva
Lamalonga – Campos cx. 184 4850-042 Vieira do Minho ; Telemóvel: 965274272

Amadeu Fernandes
Agra – Rossas n.º 1637 4850-281 Vieira do Minho ; Telefone: 253657088

Maria da Graça Gonçalves Fernandes
Agra – Rossas n.º 1637 4850-281 Vieira do Minho ; Telefone: 253657088

Irene Gonçalves Alves
Penelas – Guilhofrei n.º 221 4850 – 194 Vieira do Minho ; Telemóvel: 913682773

Maria Laide da Silva Carvalho
Ermal – Guilhofrei n.º 1112 4850-185 Vieira do Minho ; Telemóvel: 962673613

Luís Alberto Antunes Domingues
Tapado – Anissó 4850 – 010 Vieira do Minho ; Telemóvel: 922046206


Pratos típicos característicos do concelho:

COUVES COM FEIJÃO



A iguaria “Couves com Feijão” é o exemplo típico do aproveitamento dos produtos endógenos que possibilitam a confecção de pratos deliciosos.
Tradicionalmente, as “Couves com Feijão” são confeccionadas nos meses de inverno, entre Novembro e Março, após a matança do porco, e depois dos presuntos e enchidos estarem secos e curados. Para a preparação deste prato, são necessárias as melhores carnes caseiras e o que de melhor se produz nos campos e hortas: carne de porco (orelha, pé, presunto, pá, barriga e costela), enchidos (salpicão, chouriça de carne e chouriça de sangue), couve-galega cegada, feijão amarelo, batatas cortadas aos quadrados, bom azeite e alho picado.
Anualmente, a Câmara Municipal, em colaboração com os restaurantes do concelho, promove Fins-de-Semana Gastronómicos de forma a valorizar e afirmar o património gastronómico vieirense, sendo que o fim-de-semana dedicado ao emblemático manjar “Couves com Feijão” atrai cada vez mais amantes da boa cozinha e visitantes à Vieira do Minho.

Cabrito Assado
Cozido à Portuguesa
Vitela Assada e Posta Barrosã


Doçaria:

BARQUILHOS



Os Barquilhos são uma especialidade centenária de Vieira do Minho, criada no seio de uma família de agricultores da freguesia de Mosteiro. Estes são preparados à base de produtos tradicionais, com ovos, farinha, açúcar amarelo, canela e limão. A particularidade desta iguaria está no processo de cozedura que, ainda hoje, é feita artesanalmente a fim de garantir uma textura finíssima e estaladiça. Cada Barquilho é confeccionado à lareira, num recipiente em ferro previamente aquecido e untado com manteiga, e cumprindo as regras de cozedura em lume brando. Depois de cozido e ainda quente, é desenformado e enrolado delicadamente com as mãos de forma a obter um cone.
Os Barquilhos podem ser degustados com mel, marmelada ou compotas caseiras.
A herdeira da receita orgulha-se desse legado que lhe foi transmitido pela sua mãe, e espera que as gerações vindouras saibam apreciar e perpetuar esta sobremesa genuína e única. Os Barquilhos são muito apreciados pela gente da terra e têm conquistado um lugar proeminente à mesa dos restaurantes vieirenses e nos eventos da Câmara Municipal.

(Texto e fotos: Posto de Turismo V. Minho)

Aletria
Leite creme
Mexidos
Rabanadas com Mel da Cabreira
Codornos com Vinho


Restaurantes referenciados:

Adega Regional "A Tasquinha"
Rua Padre Casimiro José Vieira, Vieira do Minho ; 917 170 488 




Eventos de teor gastronómico:

Feira do Fumeiro
A Feira do Fumeiro é um evento que se realiza no penúltimo fim-de-semana anterior ao Carnaval. A par da comercialização do fumeiro (presunto, chouriças de carne e de sangue, salpicão, alheiras, orelheira, pé de porco, farinhatos, etc.), produtos da terra e artesanato, o certame conta ainda com um vasto programa de actividades e muita animação musical.

Mercado da Castanha
Organizado pela Câmara Municipal de Vieira do Minho, o Mercado da Castanha é um evento que se realiza no fim-de-semana anterior ao 11 de Novembro. Tem por objectivo dar a conhecer as potencialidades económicas da região, valorizar os produtos característicos da época e aproximar quem produz de quem consome, potenciando negócios para os pequenos produtores do concelho. Além da comercialização dos produtos das colheitas de Outono, o certame prevê também muita animação, festa e convívio para a população local e visitantes.

Fins de Semana Gastronómicos 
(data variável, periodicidade anual)




Agradecimentos:

Posto de Turismo de Vieira do Minho


Bibliografia:
Produtos Tradicionais Portugueses, Ed. M.A.D.R.P, 2001
Guia de Compras-produtos Tradicionais 2011, Ed. QUALIFICA/Publiagro
Vinhos e Aguardentes de Portugal, Anuário 2009, Ed. Instituto da Vinha e do Vinho I.P.
Boa Cama, Boa Mesa, 2011, Ed. Expresso
Guia Restaurantes e Vinhos de Portugal, 2008, Ed. Media Capital Edições
Guia 564 Restaurantes, 2011, Ed. Global Notícias Publicações SA
Festas e Comeres do Povo Português, 1999, Maria de Lourdes Modesto /Afonso Praça, Ed. Verbo

EM CONSTRUÇÃO - O post irá sendo actualizado à medida que novas informações sejam obtidas.
Achegas e comentários, bem vindos como sempre

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Coisa séria

Salt and Sugar-Cured Asparagus, Poached in Butter
(Foto - Fonte: Gilttaste.com)

Eis uma bela maneira de enroupar um produto.

Gilttaste.com é um site de venda online de produtos alimentares artesanais, difíceis de encontrar... especialmente para os nova-iorquinos com conhecimentos, vontade e dinheiro para os pagar. Muito pouco o faria diferente, aos nossos olhos, de tantos outros, não fossem os óptimos artigos, receitas e demais peças relacionadas com a gastronomia com que os seus proprietários o decidiram revestir.

Tem a consultoria editorial da ex-crítica de restaurantes do New York Times e editora da grande e defunta Gourmet, Ruth Reichl que, para além da edição supervisiona os artigos em oferta.

Para além de inúmeras descobertas, grandes fotografias. Um mundo para nos perdermos (deixando o visa à porta).
Gold Label Tenderloin Filet: carne de vaca de raça Wagyu criada na América. Cada bife com cerca de 230 gr
(Fotos do site)

domingo, 14 de agosto de 2011

Notas estivais (IV) - Um gelado em estilo

A ler um muito interessante livro de memórias (sobre o qual me obrigarei a fazer um post quando o acabar) que me levou a bisbilhotar a página de restaurantes do NYTimes, a qual me levou até ao novo restaurante do Daniel Boulud - e pareço tu-cá-tu-lá com este Daniel por causa do tal livro... - onde aterrei num video didáctico (bem, mais ou menos didáctico, a chef Oliveira (Oliveira? De onde virá a ligação luso-judaica desta tunisina?) cita os ingredientes como se todos nós ouvintes fôssemos tão experts quanto ela) sobre uma sobremesa que bem podemos tentar chez nous.




Grapefruit givré
(Credit: Michael Nagle for The New York Times)
Vamos experimentar assim: vejam primeiro o video e depois leiam o resto...


Bom, o início é fácil: desencantar toranjas que não são difíceis de encontrar (pelo menos em Lisboa, pelo menos no Corte Inglés) ou trocar por laranjas, das muito grandes, as quais serão sempre de tamanho inferior ao das primeiras. Depois, cortar um quarto do fruto de um dos lados e uma pequenina tampinha do outro só para a peça se manter de pé,retirar a polpa e congelar. So far so good.

O gelado também não apresenta problemas de maior, podendo seguir-se a receita que sugiro em baixo. Ou diligentemente expedicionar em direcção à loja de confiança (leia-se de confecção própria) mais próxima.

Rechear até meio o interior da toranja congelada, acrescentar um pouco da polpa misturada com geleia... (hum... fazer geleia de toranja?) que tal um pouco de marmalade? Depois natas batidas em chantilly (feito no sifão para os lucky few que se aventuraram na sua compra).

E começam os problemas:  o que são rose loukom e halvah crumble? Santa internet: os primeiros serão... gomas aromatizadas com água de rosas e o segundo um doce de origem no Médio Oriente e Balcãs que, no meu modesto entender se assemelha (ai os puristas!) ao nougat.

Encher com mais um pouco da espuma e tapar com uma bolacha de açúcar provavelmente aromatizado com sementes de sésamo. Com um "maçarico" (há-os pequeninos, à venda, por exemplo, no Braz&Braz) derreter as pontas e voilá.

E a decoração final? Pois. Algodão doce? Ahahah, ide a correr comprá-lo à Feira!...


GELADO DE TORANJA
60 ml de leite; 5 gemas; 115 gr de açúcar em pó; sumo de toranja: +/- 12 cl ; raspa da casca

Aquecer o leite até ao ponto de ebulição e depois deixar esfriar. Num pirex, bater as gemas com o açúcar até branquear; incorporar delicadamente o creme. Aquecer em banho maria, mexendo sem parar com uma colher de pau. Assim que a preparação adira às costas da colher retirar do lume e deixar arrefecer. Acrescentar o sumo e a raspa.
Colocar na máquina de gelados e seguir as instruções de funcionamento da mesma.


LOUKUM DE ROSAS
450 g de açúcar; 25 g de gelatina em pó; 6 gotas de água de rosas; 2 colheres de açúcar; 2 colheres de sopa de farinha Maizena; 4 gotas de corante alimentício vermelho (opcional)

Colocar 1 dl de água numa tigela e acrescentar a gelatina. Numa panela, aquecer 2 dl de água com o açúcar até 115 °C. Retire do lume e acrescentar a gelatina demolhada. Misturar, acrescentar o corante e voltar a aquecer até 107 °C. Forrar um molde com papel vegetal e colocar no frigorífico. Esperar 24 horas. Peneirar o açúcar e a farinha maizena sobre a bancada. Colocar a gelatina sobre estes, retirar o papel e cortar em cubos. Rolar sobre a mistura. (Fonte: aqui)

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Notas estivais (III)

Está um calor de ananases. As palavras custam tanto a escrever como a ler. O Governo avançou com mais medidas de aumento da receita o que atira para um bocadinho mais longe a miragem de expedições gastronómicas "lá fora". Fiquem pois com memórias de um princípio de Primavera em Paris.












Caverna de ali-chá-chá, com propostas apetitosas. Para bolsos europeus.






"Épices Roellinger" outra caverna de tesouros. 51 bis rue Sainte Anne










quinta-feira, 11 de agosto de 2011

A tradição às vezes não é o que era

Por vezes descobrir os mais interessantes locais restaurativos duma zona revela-se tarefa difícil. Ou pela parcimónia de referências de fonte confiável ou pelo excesso de nomes sem referência nenhuma, encontrar um bom porto onde se dê o dinheiro e o tempo por bem empregues é um jogo que muitas vezes se perde. No capítulo das fontes, cada vez mais me deparo com a confirmação da velha máxima futebolística "o que hoje é verdade amanhã pode não ser". O que se pode concluir quando a triste realidade fica a milhas dos encómios que motivaram a visita? Que os ditos foram encomendados? Que os padrões do escriba precisam urgentemente de revisão? Que os mesmos são requentados, tendo sofrido um processo de copy-paste para a nova edição do guia? No mínimo que toda a equipa estava, em uníssono, num dia feriado, tendo-se esquecido de ficar em casa.

As razões de tal dessintonia variarão em cada caso mas há sinais que não enganam e permitem distinguir um dia mau de um mau guia: pratos do dia corriqueiros, loiça e talheres a acusar excessivo uso, salas pouco preenchidas, desmazelo no serviço, serão sinais de curva descendente e de antiguidade na crítica. Outras situações poderão ser... azar do comensal.

A visita ao restaurante Os Antónios em Nelas resultou num dos casos acima citados. Em recente passeio  pela zona, foi um dos eleitos para descoberta. Razões várias, para além de uma referência de amigos experimentados, com uma boa recordação de uns anos antes, as múltiplas presenças e referências positivas na literatura da especialidade.

Boa situação (ainda que a sua descoberta tenha sido ligeiramente dificultada pela ausência de referências nas cercanias), um edifício de construção tradicional, facilidade de estacionamento (uma 4ª feira, oito horas da noite).


Interior com arquitectura que aproveita a linguagem coeva, com materiais tradicionais (paredes de alvenaria de pedra à vista, travejamento do tecto em madeira), lareira e decoração "típica". Cadeiras de espaldar alto mesas com toalha de pano amarela ou vermelha.

Empregado único, atento (mas as poucas mesas ocupadas não lhe causaram grandes problemas).

Impressão inicial positiva, que se comprovou com o bom sabor da alheira grelhada degustada como entrada. Gosto acentuado de fumeiro, equilibrada, um bom começo.


Infelizmente a boa impressão ficou por aí. "Especialidades" muito pouco especiais (cataplana de marisco (na Beira Alta?), bacalhau com broa, polvo frito com migas, feijoada de polvo, bife na pedra, entrecosto em vinha de alhos, cabrito assado) para quem vem em busca do local ou do diferente. Sugestões do dia quase todas pouco inspiradas, do salmão na grelha ao arroz de tamboril, da picanha na pedra às plumas de porco preto. Mais apelativos, a cabidela de galinha do campo e o cabrito à padeiro foram preteridos por um Coelhinho de Porco com Molho Pimenta


e uma Aba à Lafões.


Se o "coelhinho" se mostrou um pouco renitente ao dente numa combinação mais do que trivial com batatas fritas e o montinho de arroz e um inenarrável e inaceitável (em receitas de foro regional português) molho de natas, a aba foi uma desilusão parcial. Rija, a indiciar maioridade ou falta de ciência de forno muito pouco emblemática da celebrizada Vitela no forno à moda de Lafões. Em contrapartida, batatas e couve bem cozinhadas e temperos seguros.

Que dizer destes Antónios? Que não desgostaria de os ter aqui à minha beira, como restaurante de bairro. Como referência, local de romaria, lamento, não me convenceram.

Classificação: Cozinha - 3.33 ; Global - 14.07

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Notas estivais (II)

Esplanadas junto ao rio. Podemos amenizar a irritação que nos provoca o desperdício de vista que o estacionamento destes mamarrachos com vigias implica,



com o momento de prazer pelo saborear dum pedaço de salmão fumado.


Ah. Muita água com gás ao almoço, para permitir uma tarde de trabalho sem sustos no bafómetro.


(Aproveitemos. Não se sabe quando voltará a haver crédito para a autarquia levar para a frente a intenção de murar completamente o recinto em nome dos proventos do turismo aquático de massas.)

Casa da Ínsua, Restaurante e tudo

Edifício de notáveis, mergulhado no crepúsculo dos tempos modernos, notável recuperação de espaços, conservando tudo o que de extraordinário os sucessivos Albuquerque lhe foram acrescentando e adicionando o necessário para ali fazer nascer um projecto hoteleiro de referência, a Casa da Ínsua começa por ser uma dúvida, tapada que a quiseram pelas obras municipais de fachada.




(Em plena crise da dívida, visitar Peneda do Castelo é começar a perceber para onde foram os milhões comunitários - novas vias faraónicas pavimentadas a granito com passeios calçados igualmente a granito, edifícios de péssimo comportamento térmico - para além de uma muito freudiana morte do pai, encenada com a localização dos novos Paços do Concelho mesmo à frente de um dos portões da quinta senhorial.)

Sobrepõe-se-lhe a incredulidade: como conseguiram sobreviver estes espaços à debandada, ao empobrecimento, à desertificação, ao mau gosto novo-rico?






E, finalmente, fica o estar bem.

Estar bem, por exemplo, no espaço da antiga cozinha, com peças cujo uso se encontra apenas na memória dos mais velhos,






ou no restaurante.



Espaço amplo, sem atravancamento de mesas, vista tapada pelo muro de pedra que fecha o pequeno pátio ornado com parafernália militar de antanho, arvoredo espreitante em segundo plano. Bons atoalhados, bonitos talheres, copos adequados.



Duas refeições, na primeira experimentado o menu de degustação, a segunda em programa livre.

O menu foi uma revelação. A entrada, Figo enrolado em presunto com capucino de melão e espuma de peppermint resumiu a noite: composições visualmente apelativas, produtos de qualidade e conjugações bem conseguidas, numa mão que denota saber. Revisitação da tradicional combinação melão-presunto, com o primeiro em forma líquida a que o mentolado do peppermint acrescenta uma sugestão "exótica" que não cai mal. O figo - que figo! - é um companheiro que apetece recomendar em futuras núpcias.



Gostei da composição, o acentuar dos elementos principais com a redução e a vertical da haste, qual padrão a assinalar terra lusa, bem como a chávena do capucino em inversão de curvas (numa homenagem, provavelmente involuntária, mas a que aderi, a Niemeyer e às duas cúpulas da Câmara dos Deputados e do Senado do seu edifício do Congresso de Brasília).


Vinho branco Reserva, produzido na propriedade, Malvasia, Encruzado, Semillon,


proposta incluída no menu, a integrar-se muito bem com o prato seguinte, Sardinha enrolada sobre broa e cama de pimentos.


Visualmente interessante, mais uma proposta a incluir na vaga actual de reabilitação dos peixes considerados "menores", com dois pecadilhos, um exógeno, outro próprio: a sardinha ainda longe da riqueza de sabor que só o prolongar do tempo quente traz e o tempo exagerado de preparação dos pimentos. Parabéns pelo uso da sardinha mas o prato ainda precisa de afinação. As partes ainda não constituem um todo pleno, falta-lhe um pequeno aglutinador.


Intermezzo para limpar o palato com um gelado de lima delicioso. Nota máxima pela atenção ao pormenor, confecção e apresentação.

Passando ao segundo prato, Lombo de vitela em cama de legumes com cogumelos e batatas fritos em palitos, carne de elevada qualidade, muito bem confeccionada. Mais uma vez uma bonita composição. Ponto menos bom, o seu carácter canónico, depois do risco do prato de peixe e da criatividade da entrada.


Vinho tinto também da propriedade, o Reserva 2005, Touriga Nacional, Cabernet Sauvignon e Jaen. Aromas pouco frequentes, um sabor a deixar marca para além do bom casamento com a vitela, que apetece repetir mais um pouco e ainda um pouco mais.


Para terminar, Aletria doce com gelado de canela, compota de framboesa (também da propriedade) e lâminas de ananás. Diz quem o degustou que a combinação de texturas e sabores atinge um ponto alto.


Quanto a mim fiz uma pequena bêtise e desafiei o empregado a perguntar ao chef se aceitaria trocar a minha sobremesa pelo Risotto de cogumelos selvagens... E não é que a provocação foi aceite?


Gesto simpatiquíssimo pelo que me custa criticar mas... o apresentado foi mais malandrinho que risotto... Delicioso, os cogumelos nos píncaros e o todo a ficar-me na memória mas - e provavelmente na ânsia de não me fazer esperar muito por um prato feito fora de horas e da ordem - não era risotto.

Ficando a experiência na memória das coisas boas e apesar de todas as mesas a descobrir na região resolvemos repetir.

A noite começou com uma entrada cortesia do chef, um duo Salada de Búzios com rúcula selvagem / Rojões em cama de centeio.


Qualquer deles muito bom, os búzios deliciosos, sabor acentuado pelo pico da rúcula, os rojões longa e lentamente mijotados, a derreterem-se como convém quando degustados em sanduiche aberta.

O Arroz de Bacalhau com Filetes do mesmo, composição tradicional mas nem por isso isenta do risco de abastardamento, saiu muito bem, arroz bem temperado e os filetes sem exagerado tempo de fritura, lascantes na mordida, primorosos.


Para finalizar, Tornedó de Tamboril com tortilha de legumes, talvez a composição que menos me terá agradado. Tortilha saborosa e sapiente de fina, a aceitar bem o papel de acompanhamento, bom o toque rebelde da pimenta vermelha. Será o tamboril que precisa de uma outro modo de brilhar, será o casamento que, ao invés de marcar as sintonias, acentua as diferenças?


Quanto à sobremesa, sei que, desta vez, me esqueci das restrições e também eu a degustei. E, não sendo amante de doces o quanto sou de tudo o resto, fiquei rendido. O que não sei, porque também me esqueci, é o nome...



Serviço atento, disponível, simpático a merecer nota elevada.

Está recomendada então esta Casa? Recomendadíssima, pouso a considerar sempre que o uso do IP5/A25 esteja no horizonte!

Apreciação: Cozinha -  3.98/5 ; Global - 16.43/20