quarta-feira, 27 de junho de 2012

Camiões de comida


No que respeita ao muito aberto à discussão tema dos restauromóveis, a Câmara de Lisboa (ou devo dizer a EMEL?) tem uma posição restritiva quanto à proliferação dos mesmos - vá-se lá saber se por medo da ASAE, pressão da ARESP ou pura e simples ignorância. Permitam-me a citação de extractos deste interessante artigo da Eater New Orleans sobre Food Trucks e assim contribuir com alguns argumentos e ideias para o que deveria ser uma discussão acalorada - porque significaria que eles já andariam pelas nossas ruas (e por eles digo mais que aquelas coisas das mines e dos coiratos)...


Nota: a tradução é liberal, ainda que em consonância com o afirmado.

"Mais restauromóveis em circulação e estacionamento na cidade significam mais pessoas na rua a comer e mais pessoas na rua a salivar por tacos significam menos crime. 


Quanto ao argumento de que os restauromóveis drenariam o negócio da comunidade de restaurantes já estabelecidos (...) ele, simplesmente não é verdadeiro. Ninguém que tenha uma reserva num restaurante de referência vai mudar de ideias só porque ao passar por uma roulote de tacos se deixa tentar. 



Se alguém se quer sentar num restaurante, ser servido, estar abrigado e ter uma refeição com alguém de quem gosta não o vai obter num restauromóvel. 






O seu público alvo é de dois tipos muito específicos: trabalhadores com horários de almoço reduzidos e os clientes saídos dos bares no final da noite, famintos e sem restaurantes abertos à vista.


Há restauradores que adorariam ter uma extensão das suas propostas num restauromóvel.

Porque não criar um parque onde as pessoas iriam durante o dia experimentar as diversas opções, as quais circulariam por toda a cidade durante a noite?




(Todas as fotos retiradas da página do Facebook de La Cocinita cuja proprietária é autora das declarações citadas)

Pasteis

Porque sim, porque tem estado um calor bem próprio para eles, aqui fica a homenagem temporal aos verdadeiros, únicos e insubstituíveis PASTEIS DE LISBOA.

Natas? Isso é para nhónhós.





terça-feira, 26 de junho de 2012

Smirnoff de Oeiras


Tiveram um crescimento exponencial desde os primeiros tempos em que bastavam os dedos de um mão para os enumerar, nessa gastronomicamente monótona Lisboa dos anos 70. Aprendemos a gostar da diferença, da entusiasmante leveza em que os ingredientes eram confeccionados, das texturas crocantes, das combinações de sabores, dos novos gostos.

Depois foi a enxurrada. De comida de vez em quando passou a ser nunca mais deixo de a ver, com a baixa qualidade a imperar e os escândalos mediáticos quase a matarem o negócio.

Mais do que a má comida, o que mais me pesava era a impossibilidade quase total de acesso a uma cozinha genuína. Sem um patrocínio do interior, a barreira deste preconceito invertido que resulta na adaptação dos pratos a um gosto pretensamente ocidental é virtualmente intransponível; e este chinês lusitanizado que, insidioso, se almeja a entranhar, rapidamente se começa a detestar.

Felizmente - e quase estranhamente - há excepções.

Grandes excepções.

O Yum Cha é uma dessas excepções, enorme se considerarmos que se instalou numa praceta perdida de uma anónima e suburbana urbanização oeirense - saberão os seus vizinhos a sorte que lhes bateu à porta do lado?

Pratos a proporcionar novas experiências e - diz quem sabe - como podem ser encontrados nas casas de Cantão, Macau ou Hong-Kong.

Como estas Medusas em Molho Tailandês, uma salada muito fresca, com o pepino, os coentros, o vinagre a dar o mote mas com o crocante da medusa (sim, alforreca...) a marcar o passo, num prato de entrada que define o espírito do repasto. Esqueça-se a cultural reserva e experimente-se que vale a pena.


Fiel ao seu nome - "Yum Cha" é uma expressão cantonesa que se traduz literalmente por "beber chá" e que nomeia a refeição, matinal ou vespertina, constituída por chá e dim sum - o restaurante propõe uma variedade robusta de Dim Sum.

Como os Xiaolongbao, peças de farinha de desenho delicado, recheadas com porco picado e vegetais,


Ou estes Lo mai gai, arroz glutinoso e galinha, cozidos embrulhados em folhas de lotus/lodão que lhes oferece um sabor característico, algo resinoso, diferente mas tentador e longe oh longe dos caminhos habituais.


A revisitar vezes e mais vezes. Tanto para experimentar, tão pouco tempo para o fazer...

Yum Cha Garden
Praceta de Maputo 6 2780 Oeiras
Tel. 214 415 481 ; http://www.yumcha.com.pt
Aberto todos os dias - 12:00-15:30 / 18:30-23:00

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Paulo em DD



Integrado no painel de palestrantes (integrated in the pannel of palestrants) de mais uma conferência da interessantíssima AR, organizada pela Fundação Champalimaud no seu edifício-sede - e aí está um bom exemplo de uma integração urbana out of the box - em Algés (of one more conference of the very big interessanting AIR, organized by the Foundation Champeilimond in her building-home - ehr... - in Ailgezz) eis o grande Chef Paulo Morais em discurso directo, na fase perguntas e respostas (here's the very big Chief Paulo Morais in speech direct, in the fase questions and answers).

Sobre os peixes que utiliza:


Sobre criação e influências:


NOTA: Antes que comecem a concluir ironias subliminares, a inclusão de tradução simultânea é, em paralelo, uma referência à estranheza (que não crítica) de descobrir, em Portugal, uma instituição portuguesa de capitais portugueses com expressão oficial inglesa e uma homenagem a essa grande figura da crítica cinematográfica, o enorme Lauro Dérmio; o Paulo Morais é, obviamente nos seus pratos, na sua criatividade, na sua simpatia e disponibilidade bigger than quaisquer embaraços nervosos obrigatórios a quem se vê frente a uma bicentenária plateia (na qual este vosso escriba se inclui) de ávidos food & neural nerdies (obrigado Paulo, obrigado Champafoudation por me possibilitarem a oportunidade - finalmente! - de poder concluir um post gastronómico com ...)

e agora, let's look at a treila!

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Portugal Gastronómico #102 - Alandroal

(Fonte: Wikipedia)
(Fonte: viajar.clix.pt)

Produtos DOP e IGP:

Integrado na área de produção de:
  • Ameixa d´Elvas DOP
  • Azeites do Norte Alentejano DOP
  • Carnalentejana DOP
  • Carne da Charneca DOP
  • Carne de porco Alentejano DOP
  • Carne Mertolenga DOP
  • Mel do Alentejo DOP
  • Presunto e Paleta de Campo Maior e Elvas IGP
  • Presunto e Paleta do Alentejo DOP
  • Queijo de Évora DOP

Bebidas:

Vinhos

Integrado na área de produção de:

DOP Alentejo,

  • Sub-região Borba
  • Sub-região Redondo

Outras


Produção concelhia:

  • Azeite
  • Enchidos
  • Licores
  • Mel
  • Pão
  • Queijos
  • Vinho


Produtores / Fabricantes:
(Fonte: site da C.M.Alandroal)

Azeite
Cooperativa Agrícola de Alandroal
Estrada da Cruz do Martelo, 7, 7250- 107 Alandroal ; Tel: 268 449 262
Ver Mapa de Localização

Cooperativa Agrícola de Santiago Maior
Casas Novas de Mares, Bloco 6, 7200-015 Santiago Maior
Tel: 268 497 312
Tel: 268 499 123
Ver Mapa de Localização

Enchidos
Salsicharia Sacaia - Fabrico de Enchidos, Lda
José Egídio Rico Rosado e Egídio Manuel Salvador Rosado
Sede- Tapada dos Besugos, Casas Novas de Mares, 7200-015 Santiago Maior ; Tel: 268 497 326

Salsicharia de Francisco Grazina Rainho
Aldeia dos Marmelos, 7200-013 Santiago Maior ; Tel: 268 499 224, Telm: 965 337 754

Salsicharia Alandroalense, Lda.
Zona Industrial de Alandroal 1, lote nº 2, 7250 Alandroal ; Tel./fax: 268 448 072

Licores
Licores Tradicionais de José Gonçalves da Gama
S. Bento, 7250 Alandroal ; Tel:; 268 449 179

Mel
José Inácio Silva Nina
Rua Nova da Agostinha, 4, Aldeia de Pias, 7200-012 Santiago Maior ; Tel: 268 499 140

Manuel António Conchinha Piteira
Orvalhos, 7200-017 Santiago Maior ; Tel: 965 638 524

Francisco José Calisto Pais
Monte Pegos da Vila, Aldeia das Lages, 7200-016 Santiago Maior ; Tel: 268 497 239

António Joaquim da Costa Rodrigues
Caixa Postal 613, Bloco 14, Aldeia de Lages, 7200- 016 Santiago Maior ; Tel: 268 499 330

Manuel Rainho
Caixa Postal 735, Orvalhos, 7200- 017 Santiago Maior ; Tel: 268 456 164

Inácio João Marmou
Estrada Principal, 8, Hortinhas, 7250-069 Terena

Manuel Joaquim Soares Dias
Rua 25 de Abril, Hortinhas, 7250-069 Terena
Tel: 268 459 215

João Falé Nunes
Rua das Flores, 7, Hortinhas, 7250-069 Terena ; Tel: 268 459 448

Inácio J. Falé Coelho
Monte de Lucas, Hortinhas, 7250-069 Terena ; Tel: 268 459 383

José António Cabaço
Bairro do Rossio, lote 30, 7250-065 Terena

Miguel Silva
Rua do Século, Rosário, 7250-203 Alandroal

Manuel Coelho
Rua Dr. Teófilo Braga, 7250-140 Alandroal

Vicente Cocó Caritas
Bairro 25 de Abril, 18, Mina do Bugalho, 7250-053 S. Brás dos Matos ; Tel: 268 434 077

João José Tátá Gonçalves
Bairro dos Andorinhos, Lote n.º3, 7250-106 Alandroal; Tel: 268 449 397

Pão e Bolos
Ermelinda Carriço - Pão e Bolos
Rua Nova da Agostinha, Aldeia de Pias, 7200-012 Santiago Maior ; Tel: 268 497 047, Telem: 933 200 853

Padaria Calisto
Rua do Comércio e Indústria, 4, Aldeia da Venda, 7200-011 Santiago Maior ;Tel: 268 499 164

Panificadora Serranos, Lda
Estrada Nacional 255, Aldeia da Venda, 7200-011 Santiago Maior ; Tel: 268 497 244

Padaria Alandroalense
Rua de Santo António, 10, 7250 Alandroal ; Tel: 268 431 112

Fábrica de Pão da Mina, Lda
Largo de S. Brás, 2, 7250- 053 S. Brás dos Matos ; Tel: 268 434 103

Adelaide e Domingos da Silva para Adelaide e Romão, Lda.
Largo 1º de Maio, s/nº, Casas Novas de Mares, 7200-015 Santiago Maior ; Tel: 268 499 127

Manuel Marat Rocha
Rua do Outeiro, Aldeia da Venda, 7200-011 Santiago Maior ; Tel: 268 499 358

Padaria Pereirinha de João José Coelho Pereirinha
Mina do Bugalho, 7250-053 S. Brás dos Matos

Padaria de Terena - Carlos Major
Rua João Anástacio Rosa, 7250-065 S. Terena ; Telm: 936 820 192

José dos Santos Galhanas Godinho
Rua dos Cravos de Abril, 10, Cabeça de Carneiro, 7200-014 Santiago Maior ; Tel: 268 469 289, Telm: 933 168 378

Padaria Nova Martins de João António Martins
Rua Nova, 17 A, Cabeça de Carneiro, 7200-014 Santiago Maior ; Tel: 268 469 250

Queijos
Alandroqueijo - Queijaria Tradicional de Alandroal, Lda.
Largo Pêro Rodrigues, 7250-114 Alandroal ; Tel: 268 449 413

Fátima e Filhos - Indústria de Lacticínios, Lda.
Casas Novas de Mares, Caixa Postal 402 - Bloco 6, 7200-015 Santiago Maior ; Tel: 268 490 100

Inácio Joaquim Carraça
Casas Novas de Mares, Caixa Postal 548 - Bloco 10, 7200-015 Santiago Maior ; Tel: 268 499 186

Joaquim Manuel Freire
Rua da Eira Abaixo, Caixa Postal 303 - Bloco 4, Casas Novas de Mares, 7200-015 Santiago Maior ; Tel: 268 499 226

José Joaquim Flores Germano
Rua Monte dos Cavacas, 4, Aldeia da Venda, 7200-011 Santiago Maior ; Tel: 268 499 260

José Rodrigues Calisto
Rua Monte dos Cavacas, Aldeia da Venda, 7200-011 Santiago Maior ; Tel: 268 499 282

João António Serra Lica
Caixa Postal 716, Orvalhos, 7200-017 Santiago Maior ; Tel: 268 459 523, Telem: 914 225 429

Vinho
PLC - Companhia de Vinhos do Alandroal
Rua Florbela Espanca, 7160-283 Vila Viçosa, Tel: 268 887 260/65 ;  E-mail: geral@plcvinhos.com
Herdade do Pigeiro
Vinhos: Pontual, Boa Nova e Desigual


Pratos típicos característicos do concelho:
  • Migas com carne de porco
  • Ensopado de Borrego
  • Açorda de Alho,  Beldroegas com queijo , Gaspacho, Sopa de Cação, Sopa de Hortelã, Sopa Gata, Sopa de Cebola, Sopas de Leite, Sopa de Tomate, Sopa de Tomate com Sardinhas, Sopa de Tomate com ovos e bacalhau, Sopa de Grão, Sopa de Repolho, Caldeta ou Sopa de Peixe do Rio
  • Feijão com Espinafres, Favas de azeite, Favas com chouriço, Ervilhas Guisadas, Cozido de Grão, Grão com Alabaças, Poejada
Doçaria:
  • Fatias de Ovo
  • Filhós
  • Sericaia
(Fonte: site da C.M.Alandroal ; receitas aqui)

Restaurantes referenciados:

A Maria
Rua João de Deus 12, Alandroal ; Tel. : 268 431 143
Empadas de galinha; Saladinha de coelho; Pimentos vermelhos adocicados; Cogumelos salteados; Jaquinzinhos de escabeche; Salada de grão; Queijo de ovelha gratinado com doce de tomate. Sopa da panela; Sopa de cação. Bacalhau à alandroense. Perdiz estufada; Coelhinho de coentrada; Lebre com feijão e nabos; Migas de carne de porco preto; Pézinhos de coentrada; Chispe assado no forno; Cozido de grão à alentejana; Borrego à tia Maria; Caldeirada de cabrito; Feijoada; Pato em molho de vinho tinto.
Pastéis de amêndoa e gila; Filhoses com mel; Pão de rala; Bolo de figo; Sericaia; Fidalgo; Morgado; Encharcada; Tarte de gila.
Abertura: 12:30-15:00 ; 19:30-22:30. Férias: 2ª quinzena de Agosto

Adega dos Ramalhos
Largo Major Roçadas 2, Alandroal ; Tel.: 268 449 490
Paio; Presunto; Pimentos assados. Sopa de tomate; Açorda de alho; Sopa da panela; Sopa de cação. Bacalhau à Ramalho. Assado de borrego; Migas com entrecosto; Ensopado de borrego; Secretos de Porco preto com migas.
Pão de rala; Sericá; Bolo de amêndoa e gila; Pudim de ovos.
Encerra às 3ªs ; Abertura: 9:00-24:00


Eventos de teor gastronómico:


Agradecimentos:


Bibliografia:
Produtos Tradicionais Portugueses, Ed. M.A.D.R.P, 2001
Guia de Compras-produtos Tradicionais 2011, Ed. QUALIFICA/Publiagro
Vinhos e Aguardentes de Portugal, Anuário 2009, Ed. Instituto da Vinha e do Vinho I.P.
Boa Cama, Boa Mesa, 2012, Ed. Expresso
Guia Restaurantes e Vinhos de Portugal, 2008, Ed. Media Capital Edições
Guia 564 Restaurantes, 2011, Ed. Global Notícias Publicações SA
Site da C. M. Alandroal - aqui


EM CONSTRUÇÃO - O post irá sendo actualizado à medida que novas informações sejam obtidas.
Achegas e comentários, bem vindos como sempre

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Zé da Mouraria


Eufrásio estugou o passo: era o seu primeiro dia e não queria chegar atrasado. Muito atrasado. O trânsito caótico e a dificuldade de entrada no parque subterrâneo tinham já arruinado a substantiva antecedência com que iniciara a viagem. Atravessou o terreiro do Martim Moniz, a distrair-se com as novas barracas de cozinha étnica à maneira - que não à imagem decadente dos prédios em redor - da composição sociológica da zona. Superior às suas intenções, a curiosidade impôs-se e Eufrásio inspeccionou curioso as ofertas cada uma. Cozinha da América latina; da China; do Japão; da África de língua oficial portuguesa... 






Abria a boca para pedir uma Causa limeña e um Pisco sour quando se lembrou do compromisso e do atraso - Eufrásio o distraído, pensou, sorrindo. I'm late, I'm late, I'm so horridly late, como o gato de Alice, hum... o coelho de Alice que o gato é mais Gal e Alice mais Tim Burton... (tens de parar com as associações desastradas, Eufrásio, comida é comida, conhaque é conhaque)

As traseiras do Centro Comercial descobriam antigas arquitecturas, envergonhadas arquitecturas, feitas por mãos simples e saberes antigos. (Nunca estive em Macau, será assim Macau - sinogramas sobre construções lusas?) Rua do Capelão à direita, o fado na parede, lojas chinesas, arrumadores indo-paquistaneses, um agarrado ocidental à frente, as mãos perdidas num movimento involuntário.


Finalmente as portas verdes com tabuinhas e no interior os seus anfitriões. Desculpas breves, uma taça de três para amenizar o embaraço e um brinde aos projectos em embrião.

Eufrásio relaxou e perdeu-se na discussão - duros interlocutores de conhecimentos fundos e maior brilho. Felizmente os objectivos revelaram-se comuns e as estratégias idênticas: entrecosto para abrir, iscas para completar.

No seguimento de um comentário a vol d'oiseau, descobriram-se uns envergonhados - e clandestinos - filhotes de carapau em repouso discreto no expositor. Que viessem em pirezinho, assim à moda modesta de um oitocentos queiroziano, coisinha de muito pouco, só para tira-gosto e abre-o-apetite, mais bombom que prato de substância. O empregado empertigou-se, aguilhoado o orgulho pelas doses de leão da casa, que não seria de mais... Saltaram-lhe em cima três sobrolhos em defesa da honra, de mais? de mais é o apetite, venham de lá esses jaquins. E o arrozinho, é de tomate, acentuou o empregado. Homem, traga só os bichos que são de início e não de viagem...

O Homem vingou-se com uma travessa familiar que só serviu para aguçar a gula da mesa. As primeiras dentadas ditaram sorrisos de aprovação: boa fritura, sem exageros que a dimensão desaconselha prolongada exposição sob pena de transformação em torresmos. Um mimo.

Travessa limpa, prontos para a pianola suína que chegou sem tardança, um convite à gordura nos dedos, grelha correcta.


Já as iscas desiludiram em comparação com as experiências de outras tabernais paragens, o molho bem apaladado, no entanto, a pedir sopas de pão.


Aproximou-se o empregado, lista na mão, a inquirir pela sobremesa. Sobremesa? Então e não almoçamos primeiro? Estocada derradeira, passagem às meias-finais e três cafés que estamos de dieta...

Eufrásio recostou-se, tranquilo e satisfeito. Belíssimo princípio de tarde, bem lisboeta, bairro antigo, bom vinho, santa comida e palavras, palavras em danças sucessivas de corridinhos e desafios. Que mais pode um alfacinha querer...

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Como se diz street food em cantonês?

Vai-se a medo (gosto desta expressão: como se entrássemos no mar numa praia desconhecida, pontuada com rochas de lava moldadas pelo tempo, avançando lentamente o pé, à procura de uma pedra desconhecida; sem medo mas a medo) naquele mundo de caracteres de que só reconhecemos a forma e nada do significado, de caras e modos cada vez, pelo hábito, menos estranhos mas ainda estrangeiros, de uma actividade novaiorquemlisboa também ela nada própria de país alongado ao Sol e à tentação da praia.

Vai-se a medo porque ficamos nós os estrangeiros, mesmo na nossa geografia, no nosso Sol, na nossa rotina enquadrada de passos em volta. É bom sermos estrangeiros? É estranho. Baralha-nos as certezas.


Lisboa, Lisboa mas não histórica. Antigos galpões industriais que a maioria desconhece e os restantes julgam fechados ou moribundos pela crise a fervilhar de actividade, de cri-actividade. Julgar-se-ia que aos herdeiros de uma civilização de origens tão perdidas no passado estaria reservada a suprema arte da contemplação e do abandono do mundo material - que nada. Formigas neste carreiro ao contrário de todos os outros.

A cozinha é uma roulotte (como é que raio se escreve isto em português pós-acordo?), em laboração modernista: o produto é manufacturado e preparado à frente do freguês, sem pruridos nem segredos. Pede-se, aponta-se, abrem-se clareiras no mato da impossibilidade linguística, num desbravar mútuo de significâncias.



Genuíno mais genuíno não há, fresco mais fresco também não.



Sabe como a última refeição do mundo. Ou a primeira, porque os gostos são puros, as texturas intocadas e os odores intocados.



É o Blade Runner sem a chuva ou o Bourdain sem a equipa de televisão atrás. É desejar manter a ilha intocada e sem evolução, crescimento ou multiplicação.



Fica a partilha.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Coxão mole

"Uma das primeiras lembranças que tenho dos meus 10 anos, quando meu pai abriu seu primeiro açougue no bairro do Bexiga, em São Paulo, é de uma menininha chegando ao balcão (bem mais alto que ela) com uma nota amassada de 5 cruzeiros na mão dizendo: "Moço, quero tudo isso de coxão mole em bifes". Coxão mole é um dos cortes que encabeçam a impropriamente chamada listas das "carnes de primeira". Sempre foi sinônimo de carne para bife (evidentemente do bife dos anos 50 e 60) e, apesar de sua grande popularidade era, - e é até hoje - insistentemente cortada de maneira errada.

Como regra geral, todas as carnes devem ser sempre cortadas transversalmente às fibras. O pobre coxão mole nunca teve essa sorte, provavelmente porque nunca teve a curiosidade de virá-lo de cabeça para baixo e cortar do jeito certo. Carnes que são próprias para alguns preparos são impróprias para outros, e com o coxão mole não é diferente. Apesar de ser o corte predileto para o bife dos anos 50 e 60, época em que era saboreado bem-passado, a situação mudou. Hoje a maior parte das pessoas prefere o seu bife ao ponto, ou seja, rosado, quando não vermelho, no centro. Infelizmente, nosso protagonista não se presta a esse tipo de apresentação, pois não é uma carne muito suculenta. Entretanto, é ótimo para assados, escalopes e milanesas.

Agora vamos mostrar o que fazer para obter do coxão mole o máximo aproveitamento, ou seja, o melhor em qualidade e o mínimo em perdas. Muitas carnes devem ser separadas em subcortes para que se possa chegar ao melhor corte. No caso do coxão mole a capa deve sempre ser retirada, pois ela esconde as fibras da carne, levando as pessoas, e até profissionais, a cortar ao longo delas, o que, definitivamente, é errado. Sem a capa (ela é perfeita para picadinhos), as fibras aparecem, desvendando todo o mistério. Felizmente, no caso do coxão mole, a capa não ultrapassa 20% da peça, assim 80% é carne de excelente qualidade. O coxão mole não tem nenhum nervo na parte interna. Removendo os nervos externos, temos uma carne limpa e totalmente aproveitável. É uma  peça grande, pesando aproximadamente 6 kg. O ideal é fazer um corte pelo comprimento, ao longo da fibra, para separá-la em dois grandes pedaços alongados, um para assar e o outro para fazer escalopes. Importante: nunca bata nos bifes. Dependendo do prato, corte-os mais finos, o que é melhor que bater. A tagliatta italiana também fica ótima feita com coxão mole em fatias finas. Tempere os escalopes com sal, pimenta-do-reino moída na hora e gotas de vinagre balsâmico. Frite-os rapidamente em azeite e sirva com salada de rúcula.

Para assar a outra parte, faça da seguinte maneira: tempere-a com sal e pimenta-do-reino branca moída na hora, frite em azeite e depois leve ao forno bem quente. Regue com azeite e vinho tinto a cada 15 minutos. Vire a carne a cada 30 minutos, durante 1 hora e meia e sirva. Você terá uma agradável surpresa.
" (István Wessel in Wessel: os segredos da carne ; Ed. Melhoramentos, São Paulo, 1997)

Ler este texto é, em simultâneo, uma titilação e uma aventura. Uma titilação porque, obviamente, qualquer  texto que inclua as palavras carne, assado, bifes, tagliatta (o que interessa o que realmente é, se o nome sabe tão bem?) faz salivar o carnívoro militante que, mais profunda ou à flor da pele há em nós; uma aventura porque, ainda que escrito em português, metade das expressões (exagero; pelo menos as expressões mais relevantes) não são alcançáveis ao entendimento da maioria dos leitores de Portugal. Ao reino da pimenta pode-se chegar pela história: a pimenta é a nossa, que por aqui utilizamos corriqueira e diariamente. Mas o coxão mole? Em que parte da vaca portuguesa pára essa peça? Como avaliar a efectividade do texto se não possuímos na nossa memória a experiência do contacto com a mesma?

Com agradecimentos à Sta. Wikipedia e aos bravos que a preenchem, aqui fica a explicação.

Dependendo da escola de corte utilizada, as carcaças bovinas são desmanchadas em peças que diferem de país para país. Seguir assim indicações originárias de outras paragens - mesmo as escritas na nossa língua - pode ser um exercício com o seu quê de imponderável.

Curiosamente, variando as fontes, as indicações também variam em alguns pontos.

Segundo a Wikipedia, o corte brasileiro segue estas linhas:

(Fonte: Wikipedia)
E logo o coxão ficou fora da lista - aqui denominam-no chã-de-dentro. O Estadão criou uma página interactiva com a explicação das várias partes da carcaça, aqui.

O dopiapizza publicou uma foto mais explicativa, com algumas variantes:

(Fonte: aqui)


Já no que toca ao corte português, esta é a versão da Wikipedia:

(Fonte: Wikipedia)

Tem pano para mangas, esta arte carniceira - ou açougueira... E oh que mangas: dos tempos (três a quatro semanas?) e das técnicas de maturação (vácuo ou não vácuo?) à classificação qualitativa das carnes (e as diferenças abissais existentes no Reino Unido, nos Estado Unidos, na Austrália); das raças e das suas potencialidades às variantes na alimentação (ração, erva). Tanto para escrever e discutir, tão pouco tempo.


Para os mais curiosos, este site com várias cartas de cortes:
http://www.virtualweberbullet.com/meatcharts.html

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Lunch at Noma

A minha boa amiga A. está agora também a ver este video:

Noma: Staff Meal on Nowness.com.

A única - pequena, diminuta, insignificante quase - diferença é que o está a ver ao vivo...

God frokost, kaerest, e não te esqueças do que te pedi!

terça-feira, 12 de junho de 2012

Dim Sum em Hong Kong

Já lá tinha ido num dia de casa muito cheia e, após um tempo interminável junto à porta sem que algum dos empregados se preocupasse em informar se a espera era pouca ou de desespero, desisti sem me sentir tentado a voltar.

Informações posteriores sobre a existência de listas paralelas para locais e turistas (nota bene: NÓS somos os turistas) se me aguçaram em muito a curiosidade também prolongaram a minha hesitação: comida para turista ocidental já a provei suficientemente para dela não fazer um objectivo de vida.

Até que (há sempre um até que nestas coisas dos textos para outrém, não é?) em passando pela rua à procura de inspiração para o jantar, lá estava a casa semi-vazia, a piscar o olho asiático, bah um dia não são dias, entremos e seja o que Confúcio ditar (pausa para um momento de erudição relativamente barata: Confúcio ditou "não faças aos outros o que não queres que te façam a ti"; é esperar que os cozinheiros cozinhem para mim o mesmo que pediriam para si próprios).

Primeira surpresa agradável: a profusão de variadades de dim sum, os pequenos "bolos" cozidos a vapor consumidos originalmente no Sul da China como pequeno-almoço ou aperitivo (tapa, snack, escolham a melhor palavra) que ganharam estatuto de delicatessen sem perder a popularidade de street food, espalhando-se pelo país e pelo mundo (para os que nunca cessam de querer saber mais: wikibrit ou wikiolé).

Entre conselhos e intuições, provaram-se estes, ainda fumegantes, infelizmente a aglomerarem-se na mesa que ordem de serviço é noção que não reside nestes estabelecimentos.

cha siu pao 

cha siu cheung

ha kao
siu mai



Bons. Bons mesmo sem o chá verde, tradicional acompanhamento de que prescindi.

Entretanto, por entre os hums e ahs da degustação chegou a versão local do Pato à Pequim.


Com alguns desvios em relação à versão canónica (falta de comparência dos "pinceis" de cebolinho w di pepino; carne em tiras e não em fatia) apresentou-se composto, com a pele estaladiça quanto baste para não deslustrar. Este é o prato ideal para a gulodice e a convivialidade, para ser comido em grupo, as mãos a chocarem-se ou em espera para formar os crepes mandarim (Pok Pang, ensina-me o Solomon) recheados com a pele e os vegetais picelados com o molho hoi sin. Pena ter vindo a meio dos dim sum - os crepes foram esfriando, colando-se os últimos entre si, nuam frente unida contra a degustação.

Pediram-se ainda uns espargos que, surpresa agradável, não eram de lata, com uma confecção que lhes realçou a textura e não lhes eliminou o sabor, ainda que se dispensasse tão lato aproveitamento das partes mais fibrosas.


Feita a estreia, é casa - e caso - para retomar: há por ali ainda muita descoberta a fazer.

Restaurante Grande Palácio Hong Kong
Rua Pascoal de Melo 8A, Lisboa
http://www.restaurante-chines.com
Abertos todos os dias 12:00-01:00

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Portugal Gastronómico #101 - Águeda

(Fonte: Wikipedia)
(Fonte: viajar.clix.pt)

Produtos DOP e IGP:

Integrado na área de produção de:
  • Carne Marinhoa DOP
  • Ovos moles de Aveiro IG

Bebidas:

Vinhos

Integrado na área de produção de:

  • DOP “Bairrada”
  • CASTAS VINHOS TINTOS: Alfrocheiro*, Baga*, Camarate*, Castelão (Periquita1)*, Jaen* e Touriga Nacional*, devendo estas representar, em conjunto ou separadamente, no mínimo, 85% do encepamento, não podendo a casta Baga representar menos de 50%; Aragonez (Tinta Roriz), Bastardo, Cabernet Sauvignon, Merlot, Pinot Noir, Rufete, Syrah, Tinta Barroca, Tinto Cão e Touriga Franca. VINHOS BRANCOS: Arinto (Pedernã), Bical, Cercial, Chardonnay, Fernão Pires (Maria Gomes), Pinot Blanc, Rabo de Ovelha, Sauvignon, Sercealinho e Verdelho.
Outras


Produção concelhia:

Vinho


Produtores / Fabricantes:

Vinho
QUINTA DO FERRÃO - SOCIEDADE AGRÍCOLA, LDA.
Póvoa da Igreja - Recardães
Tel.: 234 621 617


Pratos típicos característicos do concelho:

Leitão à Bairrada!
Chanfana
Rojões
Lampantana com carne de carneiro ou de cabra
Coelho à moda de Águeda
Bacalhau à Lagareiro (no forno), albardado (frito e com molho de cebolada) e à Ribeirinho (frito)
Sopa do campo
Caldo do lavrador
Arroz de açafrão
Caldeirada de peixe

Doçaria:
Pastel de Águeda
Barrigas de Freira
Fuzis
Sequilhos
Cavacas
Suspiros
Bola da Páscoa
Bolo de S. Pedro
Padas da Veiga

    Restaurantes referenciados:

    Adega do Fidalgo
    Lugar das Almas da Areosa - Aguada de Cima
    Tel: 234 669 501 ; E-mail: adegadofidalgo@gmail.com
    www.facebook.com/pages/Adega-do-Fidalgo/240770832612778?sk=info
    2ª a 6ª: 12:30-15:00 ; 19:00-22:30
    Sab: 19:00-22:30 ; Dom: 12:30-15:00
    Enguias fritas em escabeche da beira-mar, Ovas de bacalhau, Salada de mexilhões de Aveiro; Bacalhau de cura tradicional à lagareiro; Filetes de cavala com crosta de broa, acompanhados de batata, maçã assada e grelos salteados; Polvo marinado em ervas aromáticas, acompanhado de creme de batata e favinhas salteadas com tomate e coentros; Bife de Marinhoa DOP com arroz branco, feijão preto e couve-galega; Bife de lombo de boi com batata frita e legumes grelhados; Costeletão de boi grelhado com migas e batata ensalsada; Bochechas de porco assadas a baixa temperatura, com vinho tinto da Bairrada e tomilho, acompanhadas de arroz de carqueja; Mão de cordeiro de leite assada no forno, com batata à padeiro e legumes salteados; Chanfana à Bairrada. Por encomenda, em forno a lenha: Leitão da Bairrada; Tabuleiro de marinhoa; Cabrito assado em água; Cordeiro na vara inteiro; Galo assado no forno; Caçoila de chanfana à Bairrada.
    Pudim Fidalgo; Arroz doce com fruta macerada em Licor Beirão; Pudim de cevada ovos-moles de Aveiro; Torta de cenoura; Doce de aletria; Pão-de-ló da Celeste.


    Casa Vidal
    Aguada de Cima
    Tel.: 234 241 905 ; www.restaurantevidal.pai.pt
    Leitão Assado, Rojões, Chanfana de Carneiro ou Ovelha


    Eventos de teor gastronómico:

    Festa do Leitão
    http://www.festadoleitao.com/site/

    Agradecimentos:


    Bibliografia:
    Produtos Tradicionais Portugueses, Ed. M.A.D.R.P, 2001
    Guia de Compras-produtos Tradicionais 2011, Ed. QUALIFICA/Publiagro
    Vinhos e Aguardentes de Portugal, Anuário 2009, Ed. Instituto da Vinha e do Vinho I.P.
    Boa Cama, Boa Mesa, 2011, Ed. Expresso
    Guia Restaurantes e Vinhos de Portugal, 2008, Ed. Media Capital Edições
    Guia 564 Restaurantes, 2011, Ed. Global Notícias Publicações SA


    EM CONSTRUÇÃO - O post irá sendo actualizado à medida que novas informações sejam obtidas.
    Achegas e comentários, bem vindos como sempre

    quarta-feira, 6 de junho de 2012

    Masterchef

    Masterchef ou uma bedtime story contada às crianças e ensinada ao povo.


    "As pessoas comuns nunca irão compreender a nossa arte", ladrou o grande Chef à sua brigada de ansiosos jovens cozinheiros. Ninguém reparou em Lorenzo, que se tinha esgueirado para o fundo da sala quando era suposto estar a descascar alho e a retirar sementes aos chillies. "O meu menu, elegante e intelectual, serve dois propósitos - desencoraja os ignorantes de entrar neste lugar reverenciado e é um testamento às minhas proezas!".

    A inteira brigada trabalhava de graça, feliz por ser paga em sabedoria pelo Chef Legross - sabendo também que, seis meses passados, poderiam ter a colocação que quisessem em qualquer restaurante do país. Um começou a preparar uma terrina de foie gras e carapau ligeiramente fumado em aspic, outro o prato de assinatura "espuma lunar" que a iria adornar. Um terceiro começou a desidratar caudas de lagosta para ser pulverizadas e servidas com uma palhinha, a seca crítica de Legross aos excessos modernos. Legross recolheu-se no seu escritório em reflexão, com um cálice de brandy, enquanto a sua filha Délice supervisionava toda a preparação com olhos inexpressivos.

    Lorenzo estava longe da remota aldeia de montanha que era a sua casa. Tinha saudades dos guisados da sua mãe, dos seus bolos e da sua pasta, mas queria muito aprender com o seu Mestre. O seu olhar arregalado seguia os outros enquanto tentava decifrar o que faziam e, mais importante, porquê? Lorenzo nunca tinha visto comida deste calibre e não conseguia compreender. Com o coração nas mãos, sussurrou, "Desculpe, Chef?". Ignorado, repetiu, desta vez mais alto, "Chef Legross!"

    "O que é que tu queres?", chegou a tensa resposta.

    "Desculpe, eu estou aqui só para compreender. Porque é que a sua estimada clientela haveria de querer inalar uma lagosta?"

    Legross virou-se, tão vermelho como a própria lagosta. "Seu italianito nojento! Como é que te atreves a questionar-me ou ao gosto dos teus superiores que conseguem apreciar a minha arte? És pouco mais que um feto! Vai-te - não quero voltar a ver a tua cara!"

    Lorenzo voltou para casa e durante três dias, atrás das cortinas corridas, afundou-se na mágoa de contemplar o fim prematuro da sua carreira. Foi surpreendido por uma batida na porta. Era Délice, linda mesmo na penumbra do vestíbulo. Trazia uma pequena caixa na mão - "Um presente do meu pai", disse com um olhar de desculpa.

    Lorenzo desatou o laço dourado, revelando-se uma cabeça de alho e dois pequenos e já secos chillies. O  cartão que acompanhava dizia apenas "O teu futuro".

    Délice começou a chorar silenciosamente. Lorenzo, gentilmente, fê-la entrar. Limpou-lhe as lágrimas, colocou uma panela com água ao lume, tão salgada quanto aquelas. Cozeu spaghetti, escoou-lhe a água e temperou-o com os rancorosos alho e chillies, um pouco de azeite e nada mais.

    Comeram juntos o aglio e olio sem falar. Délice recomeçou a chorar enquanto comiam - nunca tinha experimentado nada tão delicioso, comida que alimentava o corpo e a alma em vez do intelecto e do ego, comida feita com mais amor do que técnica. Inclinou-se sobre a mesa e os seus lábios, brilhantes pelo azeite e picantes pelo chilli, beijaram Lorenzo em silêncio
    "

    in "BOCCA COOKBOOK" Jacob Kenedy

    terça-feira, 5 de junho de 2012

    Grandes Amigas


    Esta é uma história com um começo - nestes dias de muita agitação palavrosa e pouca acção eficaz - politicamente incorrecto:  uma situação de desemprego que gerou uma oportunidade de negócio.

    Esta é também uma história com um começo politicamente correcto: a Teresa que um dia disse à Vanda, "eu tenho um sonho" e a Vanda que respondeu "eu também".

    Acrescento. Perante o resultado, estes começos acabam por ser notas de rodapé, interessantes para ambientar o leitor mas muito pouco importantes para o essencial.

    O essencial? Bom, o essencial são os bolos divinos que as Amigas & Companhia produzem para o sétimo céu de gulosos, lambareiros e demais alegres possuidores de um (ou vários) sweet tooth. Sétimo céu que se alarga aos restantes mortais (como o presente cronista) que se debrucem com seriedade sobre estas verdadeiras obras de caridade sensorial.

    Em primeiro lugar - porque sim, porque me cativaram, porque são um torpedo que vimos vir direito a nós sem esboçarmos uma reacção que não seja cumprir o desejo de sermos atingidos pelo seu rico sabor plasmado na apelativa apresentação - as Pavlova.

    Homenagem down under (australiana ou neozelandesa, eles ainda não chegaram a consenso) à grande artista russa, o bolo é uma contínua provocação, com a alternância de texturas - o rugoso do merengue exterior, a suavidade das natas, o crocante do nougat -, à imagem das bailarinas que conjugam graciosidade, força física e agilidade. Originalmente merengue (não exactamente o merengue tradicional, antes um merengue duro e crocante no exterior mas macio interiormente), natas e frutos vermelhos, às Amigas ficou reservado (para além do original, com morangos) o prazer da sua recriação em propostas que se vão sobrepondo pelo prazer que proporcionam.

    Natas e doce de ovos, verdadeiramente de comer e chorar (implorar também serve) por mais.



    Natas e mousse de chocolate, uma lambareirice sem fim à vista.




    Mas há mais. As pinhoadas, aterrisagem suave dos adoçados pinhões numa finíssima placa de massa, o doce tradicional da Alcácer do Sal em versão de tarte, muito boa, oh muito boa.



    E uma tarde de requeijão de ovelha de uma suavidade etérea,


    a que se junta um doce de calda de abóbora que é a perfeita companhia, porque é discreto mas presente, suave mas assertivo, leve, leve que só se deseja levá-lo na mala como aquele homem muito brasa que a Gabriela Schaaf desejava há mais anos que me interessa contabilizar.



    E um bolo de chocolate que tenta e não engana.


    E um doce de maracujá que é uma proibição... porque o aroma entranha-se de tal maneira que se é obrigado a provar e comer tudo até limpar o fundo do frasco com a beirinha do indicador.

    E cheesecakes vários, brownies, um bolo rico de noz sem farinha mas com doce de ovos, um bolo de dama (de amêndoa) e doces conventuais. E mais o que a imaginação das duas concatenar a partir dos ingredientes e das ideias sempre à solta naquela cozinha a reluzir de nova.

    Neófitas de longa mareagem, a Teresa e a Vanda, Amigas de Companhia, grandes Amigas.


    "A paixão pelos sabores foi o pontapé inicial da nossa história. Adorávamos proporcionar aos amigos os prazeres das possíveis misturas levadas ao tacho. Depois de algumas experiências gastronómicas bem-sucedidas, e outras, menos bem… as ideias multiplicaram-se, as variadas combinações foram ganhando forma, e, adaptações das receitas de sempre, foram assumindo cada vez mais espaço.
    Hoje quando na brincadeira os amigos nos chamam pasteleiras, ficamos automaticamente com um sorriso na cara :) e isso vale tudo!
    É o início…vamos ver onde nos leva!"

    AMIGAS & COMPANHIA
    Tel.: 968 093 942 ; E-mail: amigasecompanhia.blog@gmail.com
    https://www.facebook.com/profile.php?id=100003709198333&ref=ts