"Uma das primeiras lembranças que tenho dos meus 10 anos, quando meu pai abriu seu primeiro açougue no bairro do Bexiga, em São Paulo, é de uma menininha chegando ao balcão (bem mais alto que ela) com uma nota amassada de 5 cruzeiros na mão dizendo: "Moço, quero tudo isso de coxão mole em bifes". Coxão mole é um dos cortes que encabeçam a impropriamente chamada listas das "carnes de primeira". Sempre foi sinônimo de carne para bife (evidentemente do bife dos anos 50 e 60) e, apesar de sua grande popularidade era, - e é até hoje - insistentemente cortada de maneira errada.
Como regra geral, todas as carnes devem ser sempre cortadas transversalmente às fibras. O pobre coxão mole nunca teve essa sorte, provavelmente porque nunca teve a curiosidade de virá-lo de cabeça para baixo e cortar do jeito certo. Carnes que são próprias para alguns preparos são impróprias para outros, e com o coxão mole não é diferente. Apesar de ser o corte predileto para o bife dos anos 50 e 60, época em que era saboreado bem-passado, a situação mudou. Hoje a maior parte das pessoas prefere o seu bife ao ponto, ou seja, rosado, quando não vermelho, no centro. Infelizmente, nosso protagonista não se presta a esse tipo de apresentação, pois não é uma carne muito suculenta. Entretanto, é ótimo para assados, escalopes e milanesas.
Agora vamos mostrar o que fazer para obter do coxão mole o máximo aproveitamento, ou seja, o melhor em qualidade e o mínimo em perdas. Muitas carnes devem ser separadas em subcortes para que se possa chegar ao melhor corte. No caso do coxão mole a capa deve sempre ser retirada, pois ela esconde as fibras da carne, levando as pessoas, e até profissionais, a cortar ao longo delas, o que, definitivamente, é errado. Sem a capa (ela é perfeita para picadinhos), as fibras aparecem, desvendando todo o mistério. Felizmente, no caso do coxão mole, a capa não ultrapassa 20% da peça, assim 80% é carne de excelente qualidade. O coxão mole não tem nenhum nervo na parte interna. Removendo os nervos externos, temos uma carne limpa e totalmente aproveitável. É uma peça grande, pesando aproximadamente 6 kg. O ideal é fazer um corte pelo comprimento, ao longo da fibra, para separá-la em dois grandes pedaços alongados, um para assar e o outro para fazer escalopes. Importante: nunca bata nos bifes. Dependendo do prato, corte-os mais finos, o que é melhor que bater. A tagliatta italiana também fica ótima feita com coxão mole em fatias finas. Tempere os escalopes com sal, pimenta-do-reino moída na hora e gotas de vinagre balsâmico. Frite-os rapidamente em azeite e sirva com salada de rúcula.
Para assar a outra parte, faça da seguinte maneira: tempere-a com sal e pimenta-do-reino branca moída na hora, frite em azeite e depois leve ao forno bem quente. Regue com azeite e vinho tinto a cada 15 minutos. Vire a carne a cada 30 minutos, durante 1 hora e meia e sirva. Você terá uma agradável surpresa." (István Wessel in Wessel: os segredos da carne ; Ed. Melhoramentos, São Paulo, 1997)
Ler este texto é, em simultâneo, uma titilação e uma aventura. Uma titilação porque, obviamente, qualquer texto que inclua as palavras carne, assado, bifes, tagliatta (o que interessa o que realmente é, se o nome sabe tão bem?) faz salivar o carnívoro militante que, mais profunda ou à flor da pele há em nós; uma aventura porque, ainda que escrito em português, metade das expressões (exagero; pelo menos as expressões mais relevantes) não são alcançáveis ao entendimento da maioria dos leitores de Portugal. Ao reino da pimenta pode-se chegar pela história: a pimenta é a nossa, que por aqui utilizamos corriqueira e diariamente. Mas o coxão mole? Em que parte da vaca portuguesa pára essa peça? Como avaliar a efectividade do texto se não possuímos na nossa memória a experiência do contacto com a mesma?
Com agradecimentos à Sta. Wikipedia e aos bravos que a preenchem, aqui fica a explicação.
Dependendo da escola de corte utilizada, as carcaças bovinas são desmanchadas em peças que diferem de país para país. Seguir assim indicações originárias de outras paragens - mesmo as escritas na nossa língua - pode ser um exercício com o seu quê de imponderável.
Curiosamente, variando as fontes, as indicações também variam em alguns pontos.
Segundo a Wikipedia, o corte brasileiro segue estas linhas:
E logo o coxão ficou fora da lista - aqui denominam-no chã-de-dentro. O Estadão criou uma página interactiva com a explicação das várias partes da carcaça, aqui.
O dopiapizza publicou uma foto mais explicativa, com algumas variantes:
Já no que toca ao corte português, esta é a versão da Wikipedia:
Para os mais curiosos, este site com várias cartas de cortes:
http://www.virtualweberbullet.com/meatcharts.html
Como regra geral, todas as carnes devem ser sempre cortadas transversalmente às fibras. O pobre coxão mole nunca teve essa sorte, provavelmente porque nunca teve a curiosidade de virá-lo de cabeça para baixo e cortar do jeito certo. Carnes que são próprias para alguns preparos são impróprias para outros, e com o coxão mole não é diferente. Apesar de ser o corte predileto para o bife dos anos 50 e 60, época em que era saboreado bem-passado, a situação mudou. Hoje a maior parte das pessoas prefere o seu bife ao ponto, ou seja, rosado, quando não vermelho, no centro. Infelizmente, nosso protagonista não se presta a esse tipo de apresentação, pois não é uma carne muito suculenta. Entretanto, é ótimo para assados, escalopes e milanesas.
Agora vamos mostrar o que fazer para obter do coxão mole o máximo aproveitamento, ou seja, o melhor em qualidade e o mínimo em perdas. Muitas carnes devem ser separadas em subcortes para que se possa chegar ao melhor corte. No caso do coxão mole a capa deve sempre ser retirada, pois ela esconde as fibras da carne, levando as pessoas, e até profissionais, a cortar ao longo delas, o que, definitivamente, é errado. Sem a capa (ela é perfeita para picadinhos), as fibras aparecem, desvendando todo o mistério. Felizmente, no caso do coxão mole, a capa não ultrapassa 20% da peça, assim 80% é carne de excelente qualidade. O coxão mole não tem nenhum nervo na parte interna. Removendo os nervos externos, temos uma carne limpa e totalmente aproveitável. É uma peça grande, pesando aproximadamente 6 kg. O ideal é fazer um corte pelo comprimento, ao longo da fibra, para separá-la em dois grandes pedaços alongados, um para assar e o outro para fazer escalopes. Importante: nunca bata nos bifes. Dependendo do prato, corte-os mais finos, o que é melhor que bater. A tagliatta italiana também fica ótima feita com coxão mole em fatias finas. Tempere os escalopes com sal, pimenta-do-reino moída na hora e gotas de vinagre balsâmico. Frite-os rapidamente em azeite e sirva com salada de rúcula.
Para assar a outra parte, faça da seguinte maneira: tempere-a com sal e pimenta-do-reino branca moída na hora, frite em azeite e depois leve ao forno bem quente. Regue com azeite e vinho tinto a cada 15 minutos. Vire a carne a cada 30 minutos, durante 1 hora e meia e sirva. Você terá uma agradável surpresa." (István Wessel in Wessel: os segredos da carne ; Ed. Melhoramentos, São Paulo, 1997)
Ler este texto é, em simultâneo, uma titilação e uma aventura. Uma titilação porque, obviamente, qualquer texto que inclua as palavras carne, assado, bifes, tagliatta (o que interessa o que realmente é, se o nome sabe tão bem?) faz salivar o carnívoro militante que, mais profunda ou à flor da pele há em nós; uma aventura porque, ainda que escrito em português, metade das expressões (exagero; pelo menos as expressões mais relevantes) não são alcançáveis ao entendimento da maioria dos leitores de Portugal. Ao reino da pimenta pode-se chegar pela história: a pimenta é a nossa, que por aqui utilizamos corriqueira e diariamente. Mas o coxão mole? Em que parte da vaca portuguesa pára essa peça? Como avaliar a efectividade do texto se não possuímos na nossa memória a experiência do contacto com a mesma?
Com agradecimentos à Sta. Wikipedia e aos bravos que a preenchem, aqui fica a explicação.
Dependendo da escola de corte utilizada, as carcaças bovinas são desmanchadas em peças que diferem de país para país. Seguir assim indicações originárias de outras paragens - mesmo as escritas na nossa língua - pode ser um exercício com o seu quê de imponderável.
Curiosamente, variando as fontes, as indicações também variam em alguns pontos.
Segundo a Wikipedia, o corte brasileiro segue estas linhas:
(Fonte: Wikipedia) |
O dopiapizza publicou uma foto mais explicativa, com algumas variantes:
(Fonte: aqui) |
Já no que toca ao corte português, esta é a versão da Wikipedia:
(Fonte: Wikipedia) |
Tem pano para mangas, esta arte carniceira - ou açougueira... E oh que mangas: dos tempos (três a quatro semanas?) e das técnicas de maturação (vácuo ou não vácuo?) à classificação qualitativa das carnes (e as diferenças abissais existentes no Reino Unido, nos Estado Unidos, na Austrália); das raças e das suas potencialidades às variantes na alimentação (ração, erva). Tanto para escrever e discutir, tão pouco tempo.
Para os mais curiosos, este site com várias cartas de cortes:
http://www.virtualweberbullet.com/meatcharts.html
Muito bom o texto e as fotos onde se confirma a inexistência de bochecha de vaca neste universo, embora esteja agora na moda nos states e na terra dos cangurus. Na verdade se hoje todos comem bochechas de porco, há meia dúzia de anos poucos pensariam em comê-las.
ResponderEliminarMas esta arte de desmanchar um animal é que tarda em entrar na moda por cá. Já da maturação é melhor nem falar senão aparece a ASAE(cruzes canhoto)
A propósito de bochechas, João Pedro, tenho uns quantos pedaços "em maturação" à espera de inspiração - o que recomendas, mestre?
ResponderEliminarNão faço ideia, mas se fossemos em breve à Taberna conforme alvitrado não era má ideia. Aí ou ao Zé da Mouraria
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