The Gourmet's Guide to Europe, é o segundo livro de crítica gastronómica de Nathaniel Newnham-Davis, food writer inglês entre finais do século XIX e as duas primeiras décadas do seguinte. Editado 1903 em colaboração com Algernon Bastard, viria a ser reeditado duas vezes (1908, 1911) sendo igualmente editado nos Estados Unidos em 1908, com uma entusiasmada crítica no The New York Times ("uma verdadeira obra-prima no seu género").
Numa altura em que a gourmandise não era nem um fim em si nem uma especialidade da esmagadora maioria dos viajantes/turistas, mais interessados em seguir os conselhos culturais de Baedeker's e afins, o livro não parece ter atraído muitos leitores (de pouco lucro se queixa o autor no prefácio da segunda edição) tendo, no entanto, contribuído para a boa ou má imagem que as cozinhas e restaurantes das várias cidades e países abordados apresentaram aos seus contemporâneos. Com a Península Ibérica não é meigo, começando por classificar a cozinha espanhola, por interposto francês, como "pior ainda do que a inglesa que é a que lhe vem a seguir", queixando-se do excesso de alho e da má qualidade do azeite e terminando por indicar que a Espanha "não é um bom território de caça para um gourmet". Quanto a Portugal, uma referência a Lisboa como único local que valerá a pena conhecer. Da tipicidade da cozinha, nada refere, das suas características ainda menos. O texto torna-se mais interessante pela indicação dos hábitos dos frequentadores do Tavares - ah, os privados! - e pela subserviência à cozinha francesa que parece hábito das casas mais luxuosas (o Bragança, no caso). Pela geografia dos locais, em 1903, para um inglês, a culinária portuguesa resumia-se ao eixo Baixa-Chiado. Nada tão longe e, simultaneamente, tão perto da verdade.
The
Gourmet’s Guide
To Europe
BY
LIEUT.-COL. NEWNHAM-DAVIS
AND
ALGERNON BASTARD
EDITED BY THE FORMER
1903
"(...)
Lisboa é a única cidade de Portugal onde a cozinha merece ser digna de atenção.
(...)
Há bons hotéis em Lisboa onde pernoitar e existem restaurantes em quantidade, mas para experimentar os cozinhados de alguns deles, um gourmet deve elevar a educação do seu gosto ou melhor, deve descer o seu gosto até ao standart português.
No Bragança, um pequeno clube de solteirões britânicos tem o hábito de cear em conjunto, encomendando a ementa previamente e isto é um justo exemplo do que uma hotelaria corrente mas confortável pode produzir quando quer:
Madeira Riche.
Queues de Boeuf. Crème Clamart. Petits Soufflés Desir.
Johannisberger (Claus).
Saumon Sauce Genèvoise. Selle de Présalé à la Montpensier. Poularde à l’Ambassadrice.
Château Giscours.
Pain de foies gras en Bellevue. Punch au Kirsch. Asperges Sauce Mousseuse.
George Goulet, 1892 Vintage.
Pintades Truffées. Salade Japonaise. Timbales à la Lyon d’Or.
Porto 1815.
Glaces à la Américaine. Petits fours. Dessert.
Liqueurs.
CAFÉ.
Bons menus ao pequeno-almoço e jantar são servidos diariamente às 11 e às 19, sendo o preço moderado, entre 800 e 1200 réis respectivamente. (É bom lembrar que o câmbio varia consideravelmente, sendo assim difícil dar o valor equivalente em libras, mas 5500-6000 réis corresponderão a 1 libra esterlina). O proprietário é M. Sasetti, correctamente apoiado pelo seu gerente e pelo responsável de sala chamado Celestino, uma pessoa extremamente útil em todos os sentidos.
Vinhos, destilados e licores de origem estrangeira são caros no Bragança, como o são em qualquer lugar, devido às altas taxas alfandegárias; mas os vinhos locais, dentre eles Collares, Cadafaes, Collares Branco, Serradayres branco e tinto, etc. são bons e baratos vinhos de mesa.
O restaurante seguinte no que diz respeito a conforto, limpeza e cozinha é o Café Tavares, situado na Rua Largo de São Roque. É essencialmente um café restaurante (?) e está aberto do pequeno-almoço até às três ou quatro da manhã seguinte. O Tavares é o principal ponto de encontro dos jovens turcos, tanto portugueses como estrangeiros, principalmente depois do encerramento dos teatros e da ópera quando a vontade de jantar é grande. A festa dura da meia-noite até altas horas, especialmente nos cabinets particuliers, que são preferencialmente acedidos a partir da entrada das traseiras, situada na Rua das Gáveas. Ao almoço e jantar são servidos muito bons menus a um preço moderado que varia entre 600 e 800 reis. O proprietário e gerente é o Sr. Caldeira, muito atencioso com os clientes.
Se algum visitante de Lisboa estiver ansioso por experimentar a cozinha portuguesa, não poderá fazer melhor do que visitar o Leão d'Ouro, situado na Rua do Príncipe, ao lado da Estação Central de Caminho de Ferro. Este foi, e em grande medida ainda é, o local de encontro de actores, autores e profissionais. A comida é boa e muito barata, servida à carta. A comida portuguesa pode ser considerada como "altamente temperada", mas ainda assim existem muito bons pratos, sendo uma especialidade da casa a Sopa de Camarão, um bisque de camarões que, de modo nenhum, deve ser ignorada. No que respeita aos vinhos é recomendável beber os nacionais. (...)"
(...)
Há bons hotéis em Lisboa onde pernoitar e existem restaurantes em quantidade, mas para experimentar os cozinhados de alguns deles, um gourmet deve elevar a educação do seu gosto ou melhor, deve descer o seu gosto até ao standart português.
No Bragança, um pequeno clube de solteirões britânicos tem o hábito de cear em conjunto, encomendando a ementa previamente e isto é um justo exemplo do que uma hotelaria corrente mas confortável pode produzir quando quer:
Madeira Riche.
Queues de Boeuf. Crème Clamart. Petits Soufflés Desir.
Johannisberger (Claus).
Saumon Sauce Genèvoise. Selle de Présalé à la Montpensier. Poularde à l’Ambassadrice.
Château Giscours.
Pain de foies gras en Bellevue. Punch au Kirsch. Asperges Sauce Mousseuse.
George Goulet, 1892 Vintage.
Pintades Truffées. Salade Japonaise. Timbales à la Lyon d’Or.
Porto 1815.
Glaces à la Américaine. Petits fours. Dessert.
Liqueurs.
CAFÉ.
Hotel Bragança [Fonte: Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian ; Autoria - Estúdios Mário Novais, s/data] |
Bons menus ao pequeno-almoço e jantar são servidos diariamente às 11 e às 19, sendo o preço moderado, entre 800 e 1200 réis respectivamente. (É bom lembrar que o câmbio varia consideravelmente, sendo assim difícil dar o valor equivalente em libras, mas 5500-6000 réis corresponderão a 1 libra esterlina). O proprietário é M. Sasetti, correctamente apoiado pelo seu gerente e pelo responsável de sala chamado Celestino, uma pessoa extremamente útil em todos os sentidos.
Vinhos, destilados e licores de origem estrangeira são caros no Bragança, como o são em qualquer lugar, devido às altas taxas alfandegárias; mas os vinhos locais, dentre eles Collares, Cadafaes, Collares Branco, Serradayres branco e tinto, etc. são bons e baratos vinhos de mesa.
O restaurante seguinte no que diz respeito a conforto, limpeza e cozinha é o Café Tavares, situado na Rua Largo de São Roque. É essencialmente um café restaurante (?) e está aberto do pequeno-almoço até às três ou quatro da manhã seguinte. O Tavares é o principal ponto de encontro dos jovens turcos, tanto portugueses como estrangeiros, principalmente depois do encerramento dos teatros e da ópera quando a vontade de jantar é grande. A festa dura da meia-noite até altas horas, especialmente nos cabinets particuliers, que são preferencialmente acedidos a partir da entrada das traseiras, situada na Rua das Gáveas. Ao almoço e jantar são servidos muito bons menus a um preço moderado que varia entre 600 e 800 reis. O proprietário e gerente é o Sr. Caldeira, muito atencioso com os clientes.
Restaurante Tavares - Entrada das traseiras [Fonte: Arquivo Fotográfico Municipal ; Autor desconhecido] |
Restaurante Tavares, um dos gabinetes reservados [Fonte: Arquivo Fotográfico Municipal ; Autor desconhecido] |
Cervejaria Leão d'Ouro, princípio do século XX [Fonte: Arquivo Fotográfico Municipal ; Autor desconhecido] |
"O Grupo do Leão", reunido na Cervejaria Leão d'Ouro Óleo sobre tela de Columbano Bordalon Pinheiro, 1885, Museu do Chiado [Fonte: Wikipedia] |
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