"Sou sincero e sou directo: o mercado é muito complicado, a vida está numa situação muito complicada, o Governo nunca ajudou e até nos cai em cima com impostos cada vez mais fortes (...) eu não sei quanto tempo vou aguentar (...) espero voltar a vê-los, ainda estar cá durante muito mais tempo mas se um dia ouvirem dizer que o Gemelli já cá não está, não levem isto a mal, porque é uma coisa que não tem a ver com o público, antes com o mercado que às vezes não é muito agradecido a quem como nós tenta proporcionar verdadeiras experiências sensoriais e verdadeiros momentos de prazer através de uma coisa que todos nós gostamos: boa mesa, boa comida e um bom copo de vinho para acompanhar. Muito obrigado a todos"
Foi com estas palavras que Augusto Gemelli encerrou a sua apresentação no Peixe em Lisboa - palavras magoadas com uma situação que parece não ser a melhor e que evidenciam um estado de desânimo que se reflectiu de alguma forma nas criações apresentadas.
Que Augusto Gemelli é um belíssimo cozinheiro não tenho dúvidas (ainda hoje guardo na memória umas flores de courgette recheadas que me humedeceram os olhos). Que os seus restaurantes tenham proporcionado a muitos os referidos momentos de prazer também admito - ainda que comigo tal não tenha acontecido (há dias negativos, tanto para a cozinha como para o cliente e é uma pena quando coincidem...). As criações apresentadas - 3 - não foram, infelizmente espelho dessa qualidade.
Pratos que mais pareceram saídos da escolha de um comensal em buffet de fim-de-semana, com uma aglomeração de elementos com reduzida interligação visual, desequilibrados, pouco apelativos, à deriva, pouco aceitáveis a este nível e, principalmente num chef com o seu gabarito.
Dito isto, importa-me sublinhar o que de positivo e interessante a apresentação de Gemelli trouxe.
Uma boa ideia subjacente: a utilização intensiva de todas as partes do peixe.
A consciência de que aos cozinheiros cabe parte da responsabilidade de incentivar um produto que é português e de abrir novas e mais profundas hipóteses de negócio.
Os diversos modos de aproveitamento do camarão tigre que tão bons exemplares apresentou (panado, em tártaro, em pó):
O pó de camarão feito a partir das cabeças desidratadas a menos de 50º até secarem, trituradas, voltadas a secar até se obter um pó com um aroma muito intenso.
O corpo do camarão panado em farinha de milho (utilizada para a polenta) curado num fio de azeite para acrescentar um lado crocante.
O uso de rúcula em três variações: fresca, desidratada e frita, e as suas flores; da pele do tomate seca ao ar durante a noite.
O recurso ao "gelburguer" para aglutinar (em engenheirês "ganhar presa") a carne do pescado.
A tempura de salmonete utillizando polme aromatizado com tinta de choco e um óleo preparado a partir da utilização das cabeças de salmonete.
O aproveitamento da pele do salmonete, seca no forno para ficar crocante; das grainhas do tomate para uma emulsão substituta do ketchup.
Um pesto de amêndoas e rúcula e um pistou feito só de espinhas e algas cozinhadas, criação original do chef Alfonso Iaccarino.
O gravlax, lombo de salmão marinado em seco em açúcar e sal, temperado com funcho, laranja e pimenta preta,
que o Chef "lasqueou" e secou de modo a tornar o salmão ainda mais crocante.
O pó de azeitona, feito do mesmo modo que o da cabeça de camarão.
As trufas de salmão crú - carne da barriga picada com "gelburguer", panada em pó de azeitona (ao qual se agregou pó fumado, o que permitiu dar uma sensação de grelhado a algo que é cru) -, sobre puré de funcho (cozido e emulsionado) como base para as trufas.
Mil-folhas de salmão, feitos com o gravlax desidratado entremeados com requeijão aromatizado com funcho fresco e casca de lima picada e não raspada (de modo a não ter uma componente cítrica não muito intensa em termos de perfume sem sacrificar a frescura que lhe é inerente).
Foi com estas palavras que Augusto Gemelli encerrou a sua apresentação no Peixe em Lisboa - palavras magoadas com uma situação que parece não ser a melhor e que evidenciam um estado de desânimo que se reflectiu de alguma forma nas criações apresentadas.
Que Augusto Gemelli é um belíssimo cozinheiro não tenho dúvidas (ainda hoje guardo na memória umas flores de courgette recheadas que me humedeceram os olhos). Que os seus restaurantes tenham proporcionado a muitos os referidos momentos de prazer também admito - ainda que comigo tal não tenha acontecido (há dias negativos, tanto para a cozinha como para o cliente e é uma pena quando coincidem...). As criações apresentadas - 3 - não foram, infelizmente espelho dessa qualidade.
Pratos que mais pareceram saídos da escolha de um comensal em buffet de fim-de-semana, com uma aglomeração de elementos com reduzida interligação visual, desequilibrados, pouco apelativos, à deriva, pouco aceitáveis a este nível e, principalmente num chef com o seu gabarito.
Dueto de camarão tigre cru e cozinhado com aromas exóticos |
Salmonete 360º com rúcula e tomate |
Salmão 360 |
Uma boa ideia subjacente: a utilização intensiva de todas as partes do peixe.
A consciência de que aos cozinheiros cabe parte da responsabilidade de incentivar um produto que é português e de abrir novas e mais profundas hipóteses de negócio.
Os diversos modos de aproveitamento do camarão tigre que tão bons exemplares apresentou (panado, em tártaro, em pó):
O pó de camarão feito a partir das cabeças desidratadas a menos de 50º até secarem, trituradas, voltadas a secar até se obter um pó com um aroma muito intenso.
O corpo do camarão panado em farinha de milho (utilizada para a polenta) curado num fio de azeite para acrescentar um lado crocante.
O uso de rúcula em três variações: fresca, desidratada e frita, e as suas flores; da pele do tomate seca ao ar durante a noite.
O recurso ao "gelburguer" para aglutinar (em engenheirês "ganhar presa") a carne do pescado.
A tempura de salmonete utillizando polme aromatizado com tinta de choco e um óleo preparado a partir da utilização das cabeças de salmonete.
O aproveitamento da pele do salmonete, seca no forno para ficar crocante; das grainhas do tomate para uma emulsão substituta do ketchup.
Um pesto de amêndoas e rúcula e um pistou feito só de espinhas e algas cozinhadas, criação original do chef Alfonso Iaccarino.
O gravlax, lombo de salmão marinado em seco em açúcar e sal, temperado com funcho, laranja e pimenta preta,
que o Chef "lasqueou" e secou de modo a tornar o salmão ainda mais crocante.
O pó de azeitona, feito do mesmo modo que o da cabeça de camarão.
As trufas de salmão crú - carne da barriga picada com "gelburguer", panada em pó de azeitona (ao qual se agregou pó fumado, o que permitiu dar uma sensação de grelhado a algo que é cru) -, sobre puré de funcho (cozido e emulsionado) como base para as trufas.
Mil-folhas de salmão, feitos com o gravlax desidratado entremeados com requeijão aromatizado com funcho fresco e casca de lima picada e não raspada (de modo a não ter uma componente cítrica não muito intensa em termos de perfume sem sacrificar a frescura que lhe é inerente).
A combinação entre uma salada de funcho fatiado e os cubos de salmão ligeiramente braseados
Valeu a pena? Oh, tudo vale a pena...