segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Restaurante Bocca, Lisboa

Pode um restaurante aproximar-se da exactidão em todas (em quase todas...) as suas vertentes e deixar-nos com um sentimento de desilusão? Pode, se essa falha se situar ao nível do que é confeccionado.

O Bocca é um restaurante que tem tudo para proporcionar um bom tempo de descontracção: uma sala da refeições não muito grande (que o espelho em toda a parede do fundo torna maior) mas confortável, bem concebida, com um espaço aceitável entre mesas, som ambiente sem ser impositivo ou insuportavelmente música de elevador; um muito bom serviço, com gente simpática, prestável, que sabe o que faz (a boa assistência ao cliente passa por se saber quando intervir sem incomodar, perguntar sem interromper); bom e confortável serviço de mesa (talheres e copos), guardanapos de pano; pratos visualmente apelativos.

O que faltou então?

Vamos por partes. Clientes bem acolhidos na pequena recepção, atendimento rápido, cordial, condução à sala sem esperas e mesa indicada com boa localização (com reserva feita). Naturalidade e descontracção no serviço mas sem abandonar os padrões do que deve ser o atendimento de mesa. No aconselhamento para o vinho, a indicação de várias opções, correctas e com várias ordens de preço.


amuse-bouche, pequeno cartão de visita gracioso do chef: salada de polvo, acompanhada por uma pequena "quenelle" de tapenade, sobre um molho de tomate. A tapenade é-o só de nome, não notei nela nem as alcaparras nem as anchovas, mas as azeitonas usadas eram meritórias (galega?). Bons sabores, a combinação dos mesmos aguenta-se, já não há é paciência para a ex-trouvaille das lajetas de xisto que se encontram em todo o lado e deixaram de ser novidade. Pareceu-me uma introdução reveladora do que poderíamos esperar - agregação de vários sabores e texturas num mesmo prato, a par do que é habitual encontrar-se na cozinha dita contemporânea em Portugal (sem ser visível, feliz ou infelizmente, a adriàtica influência).

O Peixe Galo, a Raiz de Aipo e a Caldeirada
O prato de peixe escolhido revelou-se um desconsolo. Ainda que visualmente bem conseguido, o lombo apresentou-se com tempo a mais em forno, o que lhe destruiu a delicada textura. Pior, a combinação de sabores parece-me falhada - o sabor dos ravioli de caldeirada joga mal com a subtileza do peixe galo - apresentando-se o conjunto como uma orquestra desafinada, com cada dum dos elementos a puxar para seu lado, a fazer lembrar uma equipa de futebol de craques apostados em demonstrar a excelência da sua arte, esquecendo-se de jogar para o bem comum. De igual modo, o excesso de texturas diferentes (para além da macieza do peixe, a dureza difícil de mastigar dos chips de aipo, o semi-crocante do aipo salteado, a moleza dos ravioli) não constitui diversidade, antes dificuldade em encontrar uma coerência no degustar. Neste caso, o excesso de estímulos que provavelmente se pretendia surpreendente, torna-se conflituoso, impedindo um disfrutar tranquilo daquilo que deveria ser a estrela - o peixe galo, completamente obliterado pelo restante


As Bochechas de Porco, a Maçã Reineta e a Morcela
Já o prato de carne foi outra história, a demonstrar que a mão da equipa é boa, o problema é a inventiva. Em terrenos muito mais seguros, usando uma combinação mais conservadora, com a frescura e acidez da maçã a cortar os excessos de gordura da carne de porco e da morcela, as folhas de espinafre cozidas a complementar, o conjunto resulta harmonioso. Carne bem cozinhada, morcela muito saborosa, vale a pena a experiência.


Horta doce
Se esta "Horta" é uma sentida homenagem à cozinha do NOMA ou uma boleia antecipadora do que irá ser moda dentro de algum tempo nos restaurantes "trendy" da cidade, só os seus autores saberão. É uma criação muito bonita... e pouco conseguida. Mais uma vez o excesso de sabores e texturas me parece contraproducente, com o palato a voar de uma ponta à outra do espectro de texturas e sabores disponibilizados, sem tempo para se fixar em alguma. A sensação que fica é que que isto não é uma composição, antes um conjunto de elementos - e aí, de facto, o nome é premonitório... Tem algumas boas ideias - o gelado de aipo, a "cama" de chocolante crocante -, mas tal não chega, infelizmente.

Uma palavra para as bebidas. Boa carta de vinhos, extensa, variada e actualizada, demonstrando o chefe de sala um bom conhecimento da mesma. Opção a copo abrangendo uma boa parte da lista, o que é de saudar. O que não é de saudar é o infelizmente habitual escândalo dos preços cobrados. Menos de saudar é a cobrança do consumo de água. É, face ao valor total da conta... mesquinho. E, já agora, um abuso - 3,5 euros???

Conclusão: não sei se voltarei ao Bocca. Gostei muito do espaço e das pessoas. Gostei da diversidade dos vinhos disponíveis. Mas... e a comida? Perante o nível de preços, perante o valor final da conta, com tanta oferta ainda a descobrir na cidade e arredores, valerá a pena arriscar noutros pratos que não estes? Talvez para o próximo menu. Talvez.

Classificação: Cozinha 3,5/5 ; Global: 14,98 /20

Rua Rodrigo da Fonseca, 87D, Lisboa ; 21 380 83 83

1 comentário:

  1. Vou investigar a saber como é que a minha mãe faz a raia. Suspeito que a tempere com sal e limão e depois a passe por farinha e ovo batido e depois a frite...

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