sábado, 4 de dezembro de 2010

Culinária de Lisboa #13 - Fava Rica

Querida Mô,

Não olhamos para o passado porque só nele se encontra o que de bom nos aconteceu na vida - esforçamo-nos por acreditar nisso, apagamos da memória os revezes, as humilhações, os passos errados, a má qualidade de vida, as tristezas, a dôr. Olhamo-lo porque hoje nos sentimos mais velhos, mais gastos, mais próximos do final. Perdemos qualidades que nos habituámos a considerar intrínsecas e infindáveis. A nossa pele perde brilho. Enrugamos. E aí, sim, oh aqueles tempos!... Quando choramos a Lisboa de antigamente, dos eléctricos e do verde dos arredores, do mais lento passar do tempo, dos cafés e das tascas será que choramos uma cidade que era melhor ou um tempo em que nos sentíamos melhor, nos sentíamos melhores? 

Estou em baixo, Mô, a cidade vazia à noite deprime-me, os prédios vazios, as janelas escuras e abertas com as cortinas esfiapadas deprimem-me, as plantas que nascem em algerozes, rachas e telhados enchem-me de uma tristeza desesperada. 

Estou a escrever-lhe isto e, por coincidência, sobe da rua o assobio atabalhoado da flauta de pã de um amolador. Espreito pela janela à procura de chuva, é este o fado dos amoladores, trazerem a chuva como cartão de visita... Ao fundo lá está a nuvem escura a confirmar a tradição, chamar-lhe tradição é uma ironia, no presente, a tradição é um balão quase vazio em Lisboa. Este assobio de amolador está sozinho, já não tem por companhia os pregões dos vendedores de petiscos ambulantes, dos ardinas, dos galegos, das varinas. A banda sonora da cidade é impessoal, composta aleatoriamente por apitadelas e travagens, roncos de motores e arranhar de chapa. 

O tempo dos figuinhos de capa rota ou da fava rica finou-se, algures entre o apelo das lojas e as proibições sanitárias. Não sei se tenho saudade deles ou da juventude passada.

Vendedora de fava rica
(fonte: Arquivo Fotográfico Municipal)

FAVA RICA

Favas secas; azeite; alho; sal e pimenta

Cozem-se as favas depois de demolhadas durante pelo menos 12 horas, em água com sal.

Escorrem-se e temperam-se com azeite, sal, pimenta e os alhos que ferveram em azeite durante 5 minutos.

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