Querida Mô,
Hoje passei pela abstrusidade de estádio do meu clube e subiu-me tamanha irritação que tive de parar na primeira pastelaria que encontrei para comer uma delícia de ananás. Depois lembrei-me que estas subidas de adrenalina aumentam-me o açúcar no sangue e deliciar-me com aquela orgia de chantilly era um pequenino princípio de suicídio. Parei a tempo. Já ia a falar, o empregado ficou suspenso, à espera da minha resposta e eu a olhar para ele, ainda tentado com o bolo, tão bonito que ali estava, expectante, a olhar para mim. O empregado, eu e o bolo, ateíssima trindade numa pastelaria de Lisboa, consegue imaginar-me? Lembrei-me de pedir uma bica, o pedido mais comum, mas a bica é cafeína, depois um chá mas o chá tem teína, a indecisão já me estava a prolongar o estado de ebulição, a cara do empregado também, devia estar a pensar que eu era mais um dos pré-alzheimicos clientes que lhe enxameavam a casa a meio da manhã, um pré-alzheimico imaturo mas ainda assim a caminho da senilidade e nenhum de nós a conseguir decidir quem primeiro virava as costas ao outro, eu porta fora ou ele balcão dentro, dei comigo a pensar no Gary Cooper no High Noon à espera do meio-dia e naquela tensão dos duelos dos westerns e, de repente, uma voz ao meu lado olhe-faz-favor-era-uma-meia-de-leite-e-um-guardanapo, o homem, desviada a atenção, vira a cara e eu aproveitei para uma retirada discreta porta fora. Safo.
Magriço, o nome da pastelaria. Está, desde que eu me lembro, à beira do antigo estádio e acho que a primeira vez que lá entrei foi para lanchar depois de uma tarde a correr de bicicleta na antiga pista de ciclismo que existia à volta do relvado, com uns relevês gigantescos para o miúdo que eu era. Nesse tempo não havia estas modernices dos capacetes e das joelheiras e das luvas e das bicicletas artilhadas com mudanças e hidráulicas, quem caísse que se pusesse em pé, um bocado de cuspo nas arranhadelas e de volta ao selim.
Lisboa está agora lentamente a encher-se desses maníacos sanitaristas montados em rocinantes desmultiplicados, a maior parte a circular como se na meseta estivesse em busca de mais um dragão para combater. A autarquia fez-lhes o favor de criar vias próprias para os defender do mal-amado trânsito automóvel e é vê-los confiantes passeio fora, na sua reservada listinha vermelha, o mundo e o futuro só para eles.
O que me continua a fazer confusão é o facto dos responsáveis camarários não terem percebido o perigo para os peões que é colocar uma pista de ciclismo no centro dos passeios - não há limite de velocidade e, convenhamos, há anos que a propaganda anti-rodoviária anda a dizer que os passeios são para os peões! - e a tremenda incongruência que é atacar os automóveis em nome da segurança dos peões e esquecer essa segurança quando se trata de dar primazia às bicicletas.
Sabe que mais? O povo é que tem razão. Nas tascas, "ciclistas" são os feijões-frade. E, vox populi, um "feijão-frade" é um vira-casacas.
SALADA DE FEIJÃO-FRADE
500 gr feijão frade; 1 cebola; 1 ramo de salsa; azeite e vinagre; colorau
Demolha-se o feijão durante a noite. Coze-se em água e sal. Deixa-se arrefecer e tempera-se com azeite abundante, um pouco de vinagre e a salsa picada. Acrescenta-se a cebola picada e uma sugestão de colorau, só para dar cor.
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