Champagne-Ardenne... Bebida e guerra, é a associação que faço de imediato, a belle-époque e o ocaso da ideia totalitária, a libertação da França e a vitória dos aliados. Nas Ardenas... do lado belga e luxemburguês, jogaram-se os últimos trunfos nazis, os alemães venderam cara a derrota e o que parecia um caminho sem escolhos depois da derrocada nas praias da Normandia, foi uma dura e sangrenta batalha no inverno/inferno das florestas ardenenses.
Bom. Será redutor afirmar que esta região vale sobretudo pela bebida alcoólica mais famosa do mundo ocidentalizado, mas como evitar a alusão? Comecemos então pelo... champagne.
E, first things first, um momento de silêncio em homenagem a esse grande cultor do mester de adegar, Don Pérignon,
não o dono da marca homónima, antes o adegueiro da abadia de Hautvilliers no final do século XVII, inventor, descobridor, aprimorador da arte de preparação da bebida, a partir da descoberta dos efeitos da adição de açúcar ao vinho em garrafa, criando assim uma segunda fermentação com o aparecimento do caracteristico "gasoso".
Passando por cima do método, das castas, dos aromas, das sensações, da classificação que restringe o uso da denominação à area delimitada nesta região, e referindo bons casamentos:
. Ostras e mariscos - Blanc de Blancs
. Caviar e lavagante - Brut
. Maioria de pratos de peixe - Brut ou Blanc de Blancs
. Pratos mais fortes - Vinhos de colheita ou Rosé
. Queijos - Sec
. Sobremesas - Sec ou Demi-sec
(Nota muito pessoal: não sei se foi a maior experiência gastronómica da minha vida; foi, seguramente, a mais extravagante e a mais inesquecível: uma passagem do ano recatada, brindada com um Veuve Clicquot Brut aromatizado com colheradazinhas de Beluga e Sevruga.)
Visitem-se as caves instaladas na profundidade (entre 10 e 50 metros) dos maciços calcários de Reims e Epernay das diversas casas produtoras, provem-se as diferentes variedades
Epernay (fonte: wikimedia commoons ; autor: Giulio Nepi) |
Chega? Avancemos então.
Em Reims, a imponência da catedral gótica é bem o ex-libris da bebida emblemática. Reparem na fachada: em sintonia com o que se deve esperar da entrada do sagrado local onde o poder divino sacraliza o poder terreno - foi aqui que, durante séculos, os reis francos foram entronizados.
(fonte: Wikipedia ; autor: Ludovic Péron) |
Riqueza de pormenor, excesso decorativista, mas também a leveza da estrutura, num caminho para o gótico flamejante que haveria de surgir um pouco mais tarde, evolução natural das formas e do pensar.
Uma outra catedral é a La Cave aux Fromages, onde se poderão descobrir os queijos da região, nomeadamente o Chaource (DOP),
feito com leite de vaca. De forma cilíndrica, ligeiramente salgado e de sabor doce e frutado, um pouco ácido, podendo apresentar um ligeiro gosto de avelã.
O Langres (DOP),
(fonte: http://tout1fromage.canalblog.com) |
de forma cilíndrica, com uma cavidade central no topo. A crosta tem uma côr característica, devida à adição de um corante natural - colorau - à solução onde o queijo é lavado. A cor da crosta evolui com a cura, de um amarelo claro até um vermelho acastanhado. A sua pasta é cremosa e mole de cor branca. Emite um odor bastante forte.
(fonte: http://chezlouloufrance.blogspot.com) |
feito com leite de vaca, curado em cinza, de pasta mole e crosta cinzenta. O gosto aproxima-se do do Brie, ligeiramente fumado.
O Soumaintrain :
A crosta é de côr castanho-alaranjada, ligeiramente húmida e a pasta de cor marfim, textura lisa, gosto pronunciado e odor forte. Também produzido na Borgonha.
Depois, dois pulos em homenagem aos gulosos. O primeiro, até ao Deléans, para os seus bonbons e chocolates; o segundo até à Maison Fossier, onde podemos encontrar os recomendadíssimos Bouchon de Champagne, chocolate negro, com recheio de marc de champagne,
(fonte: Maison Fossier) |
Bulle de Champagne, chocolate negro, com recheio de aguardente de champagne; biscuit Rem ou Déjeuner de Reims,
(fonte: Maison Fossier) |
biscuit rose de Reims,
(fonte: Maison Fossier) |
croquignoles, biscoito seco que acompanha tanto chás, cafés e licorosos como gelados, sorvetes, mousses e fruta,
(fonte: Maison Fossier) |
massepain de Reims, primo do macarrão, é composto por amêndoa, clara de ovo e açúcar. Deve ser consumido até oito dias depois da sua confecção,
(fonte: Maison Fossier) |
o pain d’épices,
(fonte: Maison Fossier) |
e as nonnette, recheadas com marmelada.
(fonte: Maison Fossier) |
ou o Sablé Champenois (amêndoas e champanhe entram na sua composição; não é muito doce.)
(fonte: Maison Fossier) |
Overdose, overdose, overdose. Mas pelo bem que sabem...
Destaque para o Vinaigre de Reims, elaborado a partir do líquido de "dégorgement" do champanhe após a segunda fermentação, com um gosto aromático e ligeiro sabor a madeira e para a Moutarde de Reims,
Grãos de mostarda castanha, vinagre de Reims, vinho de limpeza (dégorgement), sal e especiarias. Forte mas não picante, muito aromática.
Percorrendo a região, em Rethel é obrigatório o boudin blanc (IGP), composto exclusivamente de carne de porco fresca, banha, leite e ovos,
(fonte: http://www.nouvelle-duhem.com) |
preparado à la Richelieu, em massa dourada no forno e trufado; em Sainte-Menehould, o pied de porc pané; em Troyes, é a vez da andouillette
(fonte: http://www.sugarheadblog.com) |
(elaborada com o intestino e o estômago do porco, cortados em tiras no sentido do comprimento, temperadas com cebola, sal e pimenta e juntas num pedaço de intestino grosso de porco fervidas várias horas num caldo perfumado. It's an aquired taste...).
Continuando no domínio das preparações de carne, destaque para o Jambon de Reims, feito a partir da perna e pá desossadas, colocadas em salmoura num caldo especial com champanhe e envolto em pão ralado; para o Jambon des Ardennes, seco ao ar, salgado à mão com sal e especiarias. Não é fumado. Preparado a partir da perna de porco fresca, beneficia de uma denominação regional. Encontra-se inteiro, com osso ou desossado ou em fatia.
Ainda para a Hure de porc, charcutaria à base de línguas de porco.
Hure de porc com pistachios (fonte: http://www.panierdesaison.com/2008/10/) |
De produtos hortícolas, registem-se o espargo de Champagne (gosto tenro e um perfume específico, devido ao solo da região); a Boulette de Bussy (variedade de nabo de sabor delicado e muito açucarado, devido aos solos calcários; produzida de Setembro ao final de Novembro, contrariamente às restantes variedades tem uma coloração exterior verde em vez de violeta); e as lentillons champenois (lentilhas rosadas que casam bem com peixe, em creme ou em salada morna).
Fechando o ciclo e terminando na área de influência do champanhe:
Marc de Champagne, aguardente elaborada a partir da destilação do bagaço das uvas utilizadas no fabrico do champanhe.
Ratafia de Champagne, licor elaborado a partir do mosto das uvas de champanhe.
(fonte: http://www.aftouch-cuisine.com) |
Para memória futura, aqui fica o endereço do anuário dos produtos do terroir.
No aspecto restaurativo, um 2 estrelas - L'Assiette Champenoise, em Tinqueux, perto de Reims e alguns 1 estrela, a maioria sem referências suficientes na net para se poder decidir "às escuras". Sites pouco apelativos, sem fotos de pratos, deixando às cartas a ingrata tarefa de convencer por si só potenciais clientes. Será que o cartão Michelin é suficiente para manter o negócio?
Destaco, pelo apelo das composições disponibilizadas em foto, o Hotel d'Angleterre do chef Jacky Michel, em Châlons-en-Champagne
(fonte: site do restaurante) |
e o Le Foch, em Reims, do chef Jacky Louazé ("uma cozinha inventiva, orientada para o mar, que vos trará uma lufada de frescura. Os perfumes e os sabores de acordo com a estação, revelarão um fogo de artifício gustativo").
(fonte: site do restaurante) |
(fonte: site do restaurante) |
RECEITAS
Asperges blanches, sauce maltaise
(Receita de Jacky Michel, Hotel d'Angleterre)
Para 4 pessoas:
- 350 g de espargos brancos por pessoa
- 1/2 litro de sumo de laranja
- 50 g de natas
- 150 g de manteiga
- Juliana de laranjas
- Sal, pimenta, cerefólio
Receita
- Descascar os espargos, encurtar as hastes para igualar o tamanho, lavar e escorrer.
- Retirar a casca de uma laranja e escaldar em água fria, aquecendo até ferver, esfriar, escorrer e picar finamente.
- Espremer o sumo das laranjas. Numa panela pequena, colocar o sumo e as raspas.Reduzir em lume brando. Incorporar a manteiga e as natas batidas antes de servir.
- Cozinhar os espargos em água com sal, de 8 a 10 minutos. Devem ficar um pouco duros (crocantes). Servir com o molho.
Salade au lard ardennaise
(marmiton.org)
Ingredientes ( 4 pessoas ):
- 250 g de bacon defumado
- 1 cebola
- Folhas verdes (os externos que são jogados) de 2 de saladas (alface, escarola)
- 6 batatas médias
- 10 cl de vinagre de vinho
- Sal e pimenta
Preparação:
Cozinhe as batatas na água com a pele. Numa panela, refogue o bacon e a cebola. Coloque numa saladeira, adicione a salada de folhas e as batatas descascadas e cortadas em fatias finas, em seguida, o vinagre de vinho. Tempere com sal e pimenta.
Escalopes de Frango com Langres
(Receita dada por Claudine Charre - Auberge Le Jeanne d'Arc III)
Ingredientes
- 50 g de queijo Langres
- 2 bifes de frango
- 1 ovo
- 20 cl natas
- Manteiga
- Farinha
- Pão ralado
- Sal
- Pimenta
- Pane os bifes, passando-os em farinha, ovo batido e pão ralado. Cozinhe-os numa panela com um pouco de manteiga. Adicione sal e pimenta.
- Corte o queijo em pedaços pequenos. Numa panela misture a nata e queijo. Aqueça até obter uma pasta homogénea sem deixar ferver. Adicione sal e pimenta.
- Sirva com brócolos e batatas cozidas em vapor.
Semoule Champenoise
(Fonte: aftouch-cuisine.com)
Ingredientes:
250g Semolina fina
1/2 litro de água
1/2 litro de champanhe
150g de açúcar refinado
manteiga
sal
2 ovos
6 claras
1. Cozinhar a farinha em água e champanhe durante 20 minutos.
2. Acrescentar o açúcar, uma pitada de sal, os ovos, 2 nozes de manteiga e adicionar as claras em castelo.
3. Colocar num molde untado com manteiga e cozer em banho-maria por 30 minutos. Deixar arrefecer.
4. Inverter num prato e regar com a geléia de frutas vermelhas (groselhas, framboesas) ou de uva.
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