Querida Mô,
Hoje, vinha a caminho de Lisboa por uma das radiais e deparou-se-me um dos mais fantásticos cenários que a natureza pode preparar nesta coroa suburbana de arquitectura clandestina e desclassificada, loteamentos selvagens e legalizações descuidadas: um manto de nevoeiro estendia-se sobre o vale de Odivelas, deixando-nos, automobilistas no cimo da colina, com a sensação de encarnarmos o caminhante de Friedrich e estarmos mais perto do céu, longe desta depressão de cimento e tijolo.
(fonte: http://www.bc.edu) |
O nevoeiro estendia-se cidade dentro e, com a decrescente luz do fim do dia, Lisboa era um passeio de fantasmas, uma possível Londres vitoriana (abençoado nevoeiro que tudo transfigura!), uma verdadeira sopa de ervilhas ainda que a tons de cinzento, felizmente falhada a amarela contaminação do aquecimento a carvão que, por cá, nunca pegou a sério.
Parei na Baixa para um passeio curioso pelas poucas lojas interessantes que ainda restam; as ruas um murmúrio, cada som, cada passo, cada iluminação abafada e desfocada. Toda a paisagem a poder ser reconstruída pela imaginação e assim regressei aos tempos de fulgência, o Chiado o centro do mundo português, a Baixa, "o" sítio para as compras.
Até os restaurantes da rua dos Sapateiros voltaram aos seus tempos galegos. E eu, de sugestionado que estava pelo tempo, entrei num deles e perguntei se não me podiam servir umas ervilhas com ovos escalfados, de preferência chegadas no dia, de uma horta dos arredores. O empregado, brasileiro, simpático, olhou-me interdito - ervilhas do dia? ovos escalfados? Leu e releu a lista e fez um sorriso triste, lamento senhor, só mesmo o que está na lista...
Ah os mistérios de Lisboa...
ERVILHAS GUISADAS COM OVOS ESCALFADOS
1 Cebola média
50 gr manteiga de vaca
50 gr banha de porco
Caldo de carne
1 kg ervilhas descascadas
1 ramo de salsa
1 ramo coentros
sal e pimenta
ovos (1 por pessoa)
Picar a cebola, refogando na manteiga e banha com uma pitada de pimenta branca. Quando começar a alourar, juntar 3 colheres de sopa de caldo. Quando começar a ferver, juntar as ervilhas, a salsa e os coentros. Mexer para não pegar, juntando, se necessário, mais caldo que se manteve fervente. Engrossar o molho com 1 colher de chá de farinha de trigo, diluída em 2 colheres de sopa de leite.
Escalfar os ovos: quebram-se para uma chícara, mantendo-se inteiros, lançando-os em água fervente até a clara ficar solidificada (este grau de dureza depende do gosto pessoal - por mim, deve ser só o suficiente para não se desligarem, permindo que a gema fique líquida). Retirar com uma escumadeira e colocar sobre as ervilhas em cada um dos pratos.
Eu gosto de os desfazer enquanto estão fumegantes e temperar com quantidades liberais de pimenta preta moída na hora.
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