Quando as ideias oficiosas dos Governos oficiais começam a ser as ideias oficiais dos seus defensores oficiosos, é chegado o tempo de nos prepararmos para a próxima efectivação das mesmas.
Li na 6ª feira a crónica de José Manuel Fernandes e fez-me particular comichão um pequeno parágrafo quase despercebido que por lá aterrou:
"Vou dar apenas um exemplo concreto, o do hábito de ir comer fora, a começar pelo pequeno-almoço. Quando estudamos as estatísticas europeias comparadas, verificamos que enquanto uma família alemã dedica apenas 6% do seu rendimento disponível a despesas em "restaurantes e hóteis", essa percentagem chegou em Portugal aos 11%. Agora está a diminuir, o que naturalmente se reflecte nas dificuldades, ou mesmo nas falências, de milhares de cafés, pastelarias e restaurantes. Porém, pensando com frieza, será que isso não era inevitável? Ou até recomendável?"
Pasmo. Então o turismo não foi, é, e quer-se que continue a ser um dos famigerados desígnios nacionais? E não é a gastronomia um dos principais pilares da actividade turística nacional? Comerão os turistas exportações? Mastigarão sapatos de marca ou mão de obra desqualificada e baratinha?
Que paisagem restará depois desta revolução alimentar - restaurantes de luxo no Algarve das 5 estrelas em condomínio fechado que já nem português precisa de falar e manifestações gastronómicas folclóricas em parques temáticos para turista pagar, já que tudo o resto, a bem da Nação e da sanidade económica dos portugueses se viu compelido a fechar?
Pelos resultados, já se tinha percebido o vácuo de ideias que desde há décadas - eu diria desde que o regime democratizou o consumo da gamba e proibiu a degustação do carapau de gato - grassa na cabeça de todos os responsáveis que tutelam directa ou indirectamente o sector. Ainda hoje não se estabeleceu um corpus gastronómico das várias regiões do país. Ainda hoje não existe uma rede de percursos regionais que liguem os diversos pólos de produção artesanal gastronómica. Ainda hoje é difícil encontrar, de uma forma clara, perceptível e fácil de aceder, informação sobre os locais de compra, os produtos, os modos de consumo. (Fala-se - é um soundbyte tão bonito... - do melhor peixe do mundo ao mesmo tempo que se perpetua o erro grosseiro do abate da frota pesqueira, se ignora a necessidade de formação de todos os intervenientes na cadeia (pescadores, cozinheiros, consumidores) e, sob a desculpa do mercado livre, se assiste inactivo ao fim de todo o comércio de proximidade, o mesmo se podendo dizer para a carne ou a fruta.)
Mas... entender que restaurantes e similares estão, na sua maioria, a mais na paisagem económica do país e - pior - pretender que todos os profissionais que neles laboram e brevemente engrossarão a lista dos desempregados irão aumentar a pressão sobre os empresários (os empresários!!!) para criar mais postos de trabalho (!) nas neoempresas do neoPortugal todas viradas para a exportação (quais?) e que - ainda pior - todos esses profissionais (muitos deles qualificados) se reconverterão rapidamente e em força na nova força laboral, barata, acéfala e profundamente produtiva... é tonto, é ignorante e é principalmente de uma cegueira que me preocupa porque são estas posições (des)ideológicas que estão a moldar o presente e o futuro deste país.
Sim, ZéManel, Portugal sem restaurantes e cafés, para além de tornar os portugueses mais frugais, tornaria o país um lugar muito mais apetecível para os turistas que nos procuram.
Do mesmo modo que "as moscas sem asas não ouvem", Portugal sem restaurantes seria um país de portugueses mais regrados no seu consumo. Mais rico ou mais produtivo, isso agora não interessa nada.
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