Querida Mô,
Ser um lisboeta pessimista não é um estado de espírito, muito menos uma opção de vida - é uma herança.
Razões históricas há muitas: das guerras que faleceram aqui mesmo à porta aos sismos com efeitos similares, das pestes mortíferas à mortífera intolerância que vitimou judeus, cristão-novos ou livres pensadores, da decadência das construções à ausência de arquitectura em muitas delas. A excitação das especiarias orientais ou da ourama brasileira foi insuficiente para deixar marcas perenes - tudo as importações levaram e o que era de pedra, um primeiro de Novembro destruiu. Heranças ambientais.
Na arquitectura da cidade, há heranças e não heranças que nos deixam acabrunhados, moles - sabe aqueles dias em que acordamos com o gosto do estômago ainda na boca, as pálpebras a meia haste e o imenso desejo de ainda ser ontem e horas para começar a dormir? Pois é assim que nos sentimos ao passear nas ruas cheias de prédios fechados, sem uso e com muito abuso, ou em ruas onde em tempos brilhou uma filigrana temporal, uma vivenda arte nova, uma belíssima e pura fachada art deco, um modesto - mas, oh! tão equilibrado - prédio de habitação, agora cheias de construção sem alma e sem erudição, sem gosto e sem jeito, meros expedientes para dinheiro fácil e empréstimos com juros a muitos anos. Ruas onde só resta a fugaz memória das sombras do arvoredo municipal cuidadosamente planeado e também municipalmente abatido para melhor circulação automóvel. Praças áridas, com homenageados que parecem guilhotinados, com alterações do pavimento, da circulação ou do mobiliário urbano efectuadas por quem certamente passou toda a sua vida no Sahara e assim despachou no seu primeiro dia no poder. É preciso aceitar a derrota - somos assim brindados, para melhor conseguir sobreviver neste vale de lágrimas. Sapiente poder.
No final de Oitocentos, num período de ressaca romântica e dos ideais políticos contemporâneos da Carta Constitucional de 22, de ampla e plena evidência da impossibilidade de regeneração do estado das coisas e do carácter genético, inato e imutável deste modo de ser país, um grupo de amigos - destacados amigos no contexto social da época - decidiu assumir a sua incapacidade para mudar o que quer que fosse. Institucionalizaram o diletantismo, anunciando-se como "Vencidos da Vida". Alguns escrevinhavam, outros eram condes, um ou outro poetava - um era um génio. Passaram para a História como a personificação da inépcia da elite nacional - e foram cristalizados para sempre numa colecção de personagens (não tão ficcionais como poderá parecer) queirozianas. Está lá tudo, nesse manual de estudo obrigatório do que é, ainda hoje, ser português - Os Maias (recomendo-lhe especial atenção às últimas páginas). Eram uns manganões - queixavam-se à mesa das melhores mesas restaurativas da cidade (é particularmente delicioso imaginá-los no Tavares Rico a chorarem a pobreza do país) - queriam, apesar de tudo e contando com as ligações familiares e pessoais, moldar o poder mas ficaram principalmente conhecidos (e nisso críticos e adeptos coincidiam) pela outra faceta: a de serem um "grupo jantante". Inépcia mesmo, querida amiga.
BIFES ENROLADOS À LISBOETA
5 bifes com cerca de 150 gr cada do pojadouro ou alcatra; 3 batatas para cozer; 150 gr de fiambre; sal e pimenta; manteiga
Cozem-se as batatas com casca até se sentir a polpa ceder com a introdução de um garfo. Escorrem-se descascam-se e esmagam-se em puré. Pica-se o fiambre, mistura-se com o puré ligando com um pouco de leite se necessário mas deixando-o seco.
Temperam-se os bifes com sal e pimenta.
Deita-se uma colher de puré em cada um, enrola-se e prende-se com um palito.
Fritam-se em manteiga. Servem-se com o molho, constituindo ervilhas cozidas uma boa opção de acompanhamento.
Ser um lisboeta pessimista não é um estado de espírito, muito menos uma opção de vida - é uma herança.
Razões históricas há muitas: das guerras que faleceram aqui mesmo à porta aos sismos com efeitos similares, das pestes mortíferas à mortífera intolerância que vitimou judeus, cristão-novos ou livres pensadores, da decadência das construções à ausência de arquitectura em muitas delas. A excitação das especiarias orientais ou da ourama brasileira foi insuficiente para deixar marcas perenes - tudo as importações levaram e o que era de pedra, um primeiro de Novembro destruiu. Heranças ambientais.
Na arquitectura da cidade, há heranças e não heranças que nos deixam acabrunhados, moles - sabe aqueles dias em que acordamos com o gosto do estômago ainda na boca, as pálpebras a meia haste e o imenso desejo de ainda ser ontem e horas para começar a dormir? Pois é assim que nos sentimos ao passear nas ruas cheias de prédios fechados, sem uso e com muito abuso, ou em ruas onde em tempos brilhou uma filigrana temporal, uma vivenda arte nova, uma belíssima e pura fachada art deco, um modesto - mas, oh! tão equilibrado - prédio de habitação, agora cheias de construção sem alma e sem erudição, sem gosto e sem jeito, meros expedientes para dinheiro fácil e empréstimos com juros a muitos anos. Ruas onde só resta a fugaz memória das sombras do arvoredo municipal cuidadosamente planeado e também municipalmente abatido para melhor circulação automóvel. Praças áridas, com homenageados que parecem guilhotinados, com alterações do pavimento, da circulação ou do mobiliário urbano efectuadas por quem certamente passou toda a sua vida no Sahara e assim despachou no seu primeiro dia no poder. É preciso aceitar a derrota - somos assim brindados, para melhor conseguir sobreviver neste vale de lágrimas. Sapiente poder.
No final de Oitocentos, num período de ressaca romântica e dos ideais políticos contemporâneos da Carta Constitucional de 22, de ampla e plena evidência da impossibilidade de regeneração do estado das coisas e do carácter genético, inato e imutável deste modo de ser país, um grupo de amigos - destacados amigos no contexto social da época - decidiu assumir a sua incapacidade para mudar o que quer que fosse. Institucionalizaram o diletantismo, anunciando-se como "Vencidos da Vida". Alguns escrevinhavam, outros eram condes, um ou outro poetava - um era um génio. Passaram para a História como a personificação da inépcia da elite nacional - e foram cristalizados para sempre numa colecção de personagens (não tão ficcionais como poderá parecer) queirozianas. Está lá tudo, nesse manual de estudo obrigatório do que é, ainda hoje, ser português - Os Maias (recomendo-lhe especial atenção às últimas páginas). Eram uns manganões - queixavam-se à mesa das melhores mesas restaurativas da cidade (é particularmente delicioso imaginá-los no Tavares Rico a chorarem a pobreza do país) - queriam, apesar de tudo e contando com as ligações familiares e pessoais, moldar o poder mas ficaram principalmente conhecidos (e nisso críticos e adeptos coincidiam) pela outra faceta: a de serem um "grupo jantante". Inépcia mesmo, querida amiga.
Os Vencidos da Vida (fotografia de P. Marinho, in Brasil-Portugal, a. II, 1900) (Fonte: Wikimedia commons) |
BIFES ENROLADOS À LISBOETA
5 bifes com cerca de 150 gr cada do pojadouro ou alcatra; 3 batatas para cozer; 150 gr de fiambre; sal e pimenta; manteiga
Cozem-se as batatas com casca até se sentir a polpa ceder com a introdução de um garfo. Escorrem-se descascam-se e esmagam-se em puré. Pica-se o fiambre, mistura-se com o puré ligando com um pouco de leite se necessário mas deixando-o seco.
Temperam-se os bifes com sal e pimenta.
Deita-se uma colher de puré em cada um, enrola-se e prende-se com um palito.
Fritam-se em manteiga. Servem-se com o molho, constituindo ervilhas cozidas uma boa opção de acompanhamento.
Sem comentários:
Enviar um comentário