sábado, 29 de junho de 2013

Fausto Airoldi, Cozinha com Identidade


Dois eventos marcaram a passagem do grande mestre português pela edição deste ano do Peixe em Lisboa: o lançamento do seu livro-legado dos primeiros 30 anos de profissão e um show cooking integrado no tema "Fruta em Lisboa nas 4 Estações".


Com fotografias de Adriana Freire, textos introdutórios de Virgílio Gomes e prefácios de Maria de Lourdes Modesto e Henrique Sá Pessoa, o livro é um repositório das melhores criações deste cozinheiros dos cozinheiros, formador de muitas das novas estrelas do panorama restaurativo português e, sem dúvida, o maior especialista do país em cozinha a baixas temperaturas.

A um preço inacreditavelmente baixo face aos custos de produção e ao seu valor intrínseco, constitui um daqueles "must have" tanto para amadores como para colegas de profissão.

Ao vivo, o chef não deixou créditos por mãos alheias. Convidado para a sessão inicial respeitante ao Outono, produziu interessantes combinações entre a outonal fruta e alguns peixes e mariscos.

Lombo de pescada escalfada em azeite com espuma de batata, pêra rocha assada, amêndoa torrada e acelgas ao vapor,


Carabineiro suado em Vinho do Porto branco seco sobre puré de castanhas, espargos verdes, crocante de chouriço e óleo de poejos. As castanhas salteadas em manteiga, fervidas com pastinaga para lhes suavizar o sabor e feitas em puré.




Salmonete corado com foie gras, uvas avinagradas e fricassé de funcho, bouquet de rebentos,



Frutas de Outono em pratos que, pela cor, parecem estivais. Combinações inusitadas, fora do caminho tranquilo mas que merecem ser recriadas. Em casa, porque não?

Quanto ao chef, registo o vazio que a sua partida para Macau criou, tanto na ACPP como nos afortunados palatos de quem tinha a fortuna de degustar as suas criações. Quem sabe um dia, quando estes ares se tornarem menos tóxicos para os empreendedores, o tornaremos a ter entre nós.

Até breve, Fausto!

sexta-feira, 28 de junho de 2013

André Magalhães, embaixador de Lisboa



 



Face às  incompreensões e mal-entendidos, sabedorias exarcebadas e línguas pátrias de palavras iguais e significados diferentes, aqui vai um lisboeta brinde a todos os que nos amam, pela mão do mais sapiente gastrónomo lisboeta.

André, chapeau!!!

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Uma garrafa com twist


Gosto disto. Não sei - ainda não deu para experimentar - se é tão naturalmente eficaz como o desenho tradicional. O press release menciona como mercado preferencial o segmento dos vinhos de consumo rápido pelo que me parece não ser uma solução para longos prazos.

Mas gosto. Gosto da inventiva, gosto de verificar que ainda há empresas nacionais que investem em Investigação & Desenvolvimento, gosto do som que uma daquelas rolhas irá fazer ao sair com um decidido voltear de mão.

Helix. Corticeira Amorim e O-I.

Força.



quinta-feira, 13 de junho de 2013

Virgilio Martinez: Pachamama em Lisboa




Pachamama, mãe terra, o centro do modelo do mundo segundo os povos indígenas do Andes centrais. A terra, a natureza, o que nasce, floresce e morre, o que nos suporta e importa. Omnipresente, fecunda e fértil, generosa e imparcial. Está dentro de nós e à nossa volta.

Virgilio sobre o parque Nacional de Bahuaja Sonene:
1 milhão de hectares,  25% das aves e 34% dos mamíferos do Perú estão lá concentrados. Estima-se que ainda existam espécies animais e vegetais por descobrir.
Da visita que o chef peruano Virgilio Martinez nos fez, da palestra-apresentação do recente Peixe em Lisboa, ficou-me esta primordial impressão: a de estar perante um cozinheiro engajado (oh, palavra tão em desuso!) - com a sua terra mãe, com os seus concidadãos. "Não posso ser indiferente a um país onde tanta gente não tem dinheiro para comer. É um problema estar a falar de alta cozinha, não posso considerar que o Perú vai estar na vanguarda mundial quando há tanta gente que morre de fome.", disse.

Do mesmo modo me cativou a defesa entusiasmada - eu diria militante - dos produtos do seu país, um mosaico heterogéneo de territórios situados entre os 0 e os 4000 metros de altitude, entre um clima marítimo e um clima tropical, entre a praia e a selva. Defesa ou manifesto, com a confecção de pratos com muitos dos ingredientes referidos, com a exibição de videos de alguns dos locais que mais fascinam e entusiasmam o chef.






Escamas de paiche ou pirarucu


Anchova seca ao Sol
A única referência que encontrei relativa ao nome - Muchaveta - é a da junção das palavras anchoveta (da família das anchovas ou boquerones) e muchame, um prato tradicional peruano, de lombo de peixe seco ao Sol, um pouco como a nossa muxama.

Água dos Andes:
quando uma colónia de bactérias - cushuro - esferifica naturalmente a água dos Andes a 4000 metros de altitude.
Ver http://www.materiniciativa.com/bacterias-de-nuestras-punas/



Graviola
Os pratos apresentados compuseram um quadro de uma cozinha de preparação simples mas de complexos sabores, possível pela abundante diversidade de produtos e de variedades dentro de cada um.

O primeiro, o Leite de Tigre (Leche de tigre) bebida para  curar ressacas ou ser simplesmente desfrutada (ainda que "simplesmente" seja um understatement...)

Cebola, coentros, gengibre, sal e o mais importante e mais característico ají amarelo, os constituintes da marinada do ceviche - a maneira peruana, influenciada pela colónia japonesa de degustar peixe cru (enfim,

O Leite de Tigre no ecrã, a preparar-se para a prova
Acompanhou um tiradito feito com tiras de uma muito nacional pescada, a demonstrar o quanto é possível transmutar técnicas e visões, num caminho que começou... muito antes de nós tugasailors termos "dado" novos mundos ao mundo. Diferindo do ceviche na ausência de cebolas, com um piscar de olho - ou vénia - ao japonês sashimi mas também ao italiano carpaccio.





Paiche ou pirarucú, o "bacalhau da Amazônia".






Camarões abertos longitudinalmente com aji, caldo de camarão











Para os mais curiosos, aqui fica um video de uma master class de Virgilio Martinez realizada no mês anterior ao da sua presença em Lisboa no "Melbourne Food and Wine Festival":



Terminando, referência para a sua iniciativa mais recente - mater iniciativa -, um projecto que visa a partilha de informação, a partir de uma perspectiva multidisciplinar, sobre os produtos peruanos. Produtos mas também os produtores, a sua cultura e os seus conhecimentos, a serem descobertos pelo mundo.

Que o mundo os descubre e, principalmente, adapte a sua visão de equilíbrio.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

As ruínas da Gastronomia Nacional


Em Portugal - sabe-se - quando não se quer resolver nada, nomeia-se uma Comissão.

Quando a vergonha pública é alguma, os gritos da plebe sobem a níveis consistentes com a indignação ou é preciso garantir boa imagem, próximas que estão algumas eleições, investe-se no patamar superior da Comissão - a CLASSIFICAÇÃO.



A CLASSIFICAÇÃO é um regalo para todos: toma tons oficiais com a publicação em Diário da República, permite candidaturas a concursos europeus ou a páginas de guias, aquece discursos e agita bandeiras.

Tem o ligeiro e sempre desvalorizado problema de exigir muito dinheiro para a sua manutenção - dirão os mais avisados que o seu propósito seria exactamente esse - disponibilizar verbas antes negadas - dirão os mais cínicos que esse é o seu não propósito - ocultar que as verbas antes negadas o continuarão a ser.

Em 2000, algumas almas bondosas e verdadeiramente empenhadas conseguiram que o PODER (outra entidade há muito possuidora de uma CLASSIFICAÇÃO) dedicasse alguns minutos (alguns minutos só, já que a montanha pariu um rato) à magna questão da gastronomia tradicional portuguesa. Fizeram-no com um empenho tão convincente que a dita passou por direito próprio a A GASTRONOMIA TRADICIONAL PORTUGUESA.


Foram dias de festa.

De confiança no futuro.

Lia-se a Resolução do Conselho de Ministros 96/2000 de 26 de Julho e exultava-se com os objectivos: intensificar as medidas de preservação, valorização e divulgação da Gastronomia Nacional, como bem integrante do Património Cultural Português. Assim. Em itálico e negrito e tão oficializado que fazia rebentar o dilatado ventre de nacionalista orgulho.

Aquela GASTRONOMIA NACIONAL, tão perfeitamente definida, tão o receituário tradicional português, assente, designadamente, em matérias-primas de fauna e flora utilizadas ao nível nacional, regional ou local, bem como em produtos agro-alimentares produzidos em Portugal e que, pelas suas características próprias, revele interesse do ponto de vista histórico, etnográfico, social ou técnico, evidenciando valores de memória, antiguidade, singularidade ou exemplaridade!

E no ano seguinte, ainda se olhava com deleite para a criança, via a luz a Resolução do Conselho de Ministros nº 169/2001 de 19 de Dezembro que criava a Comissão Nacional de Gastronomia!


Mau.

Mau.

Mau.

Uma COMISSÃO.

Ainda hoje se esperam pelas conclusões da mesma.