terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Umami go!


Durante muito tempo, veiculou-se a ideia que, no nosso sentido do paladar, existiam 4 sabores primários - doce, salgado, amargo, ácido -, até a comunidade científica ter aceite a teoria de um persistente cientista japonês, o professor Ikeda que defendia a existência de um quinto gosto - o umami.

(Fica para outro post o desenvolvimento desta história. Continuemos...)

Durante muito tempo, veiculou-se a ideia, em Portugal, que o antigo era imprestável e só a modernidade - dos alimentos, dos derivados e dos espaços de venda - era sinónimo de gosto.

Lá se foi mudando esse tempo e com ele as vontades e hoje - a crise também vai tendo uma palavra no assunto - a procura do tradicional, por um lado, e do alternativo à tediosa uniformidade das grandes superfícies e das grandes multinacionais, por outro, está em crescendo.

Queremos as nossas raízes de volta (sim, mesmo que fictícias) e estamos abertos a produtos artesanais, diferentes, criativos.

Queremos alma.

(Juntem-se então os dois rios...)

Recente no mercado de proximidade a UMAMI (ah!) pretende fazer a ponte entre pequenos produtores, com reduzida capacidade de distribuição e a mole crescente de consumidores desejosos de tomar contacto com esses produtos.

Com paixão pela comida e motivação pelo empreendedorismo decidimos criar a Umami, uma comunidade que existe para apoiar os pequenos produtores fazendo com que seja mais fácil conhecer e adquirir os seus produtos. Funcionamos como as feiras regionais, mas online, estamos abertos todo o ano e vendemos para todo o país.

Em prova recente - o cabaz de Janeiro - tive a oportunidade de provar algumas das propostas divulgadas.



Da marmelada branca de Odivelas, a partir da receita original das irmãs Bernardas do Mosteiro de S. Dinis (onde mais tarde se veio a instalar o Instituto de Odivelas), às bolachas (stroopwafels) da Syrup & Spice; dos rocher de chocolate - arroz tufado com chocolate que se derrete, estaladiço, no palato -  ao chá frutas de anjo, delicioso neste invernal céu azul que cristaliza em noites impossivelmente frias (nunca mais a Primavera!). Um gosto salgado para outras viagens, também - uma pasta de azeitona da Alta Selecção e uma compota de cebola que arrasou sobre carne assada fria. Tudo água na boca. Tudo a dispor-nos bem com o país. O que, nos tempos que correm, já é muito.

Ah...

sábado, 9 de fevereiro de 2013

É que nem ginjas!

Já foi bebida intrínseca de Lisboa, hoje parece reduzida a ser emblemática, ponto de paragem para turistas em busca do very typical.

Dava-se a volta à Baixa, combustilizado por copinhos da dita, dos Restauradores à Mouraria, do Rossio ao Carmo.

Emigrou para Óbidos, onde faz as delícias do comércio local e pela capital dá corpo à esquizofrenia oficial que com uma mão louva e com a outra fecha.

Não percebo mas também não deve ser para nos esclarecer que o Estado existe.



Ginginha Sem Rival, Rua das Portas de Santo Antão
(
fundada no século XIX)

Ginjinha Espinheira, Largo de São Domingos
(
fundada em 1840 por Francisco Espinheira)
Ginjinha Rubi, Rua de Barros Queirós, 27
(
fundada em 1931)
Ginjinha da Mouraria, encerrada
Ginginha do Carmo, Escadinhas do Duque, fundada no século XIX
(FOnte: http://ginginhadocarmo.blogspot.pt/)

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Como tordos


"Sou sincero e sou directo: o mercado é muito complicado, a vida está numa situação muito complicada, o Governo nunca ajudou e até nos cai em cima com impostos cada vez mais fortes (...) eu não sei quanto tempo vou aguentar (...) espero voltar a vê-los, ainda estar cá durante muito mais tempo mas se um dia ouvirem dizer que o Gemelli já cá não está, não levem isto a mal,
 (...)"

Chegou o dia então, o Gemelli fechou o Gemelli.

O José Júlio Vintém fechou o Tomba Lobos e foi para o Recife.

O Fausto Airoldi fechou o Spot São Luiz.

Todos os dias restaurantes fecham, nem em dia de caça aos tordos a pontaria é tão grande. 

Há dias, na Madragoa, entrámos num restaurantezinho simpático, vinte lugares, por aí, as luzes a meia-haste, a cozinheira/dona entristecida sentada numa mesa à espera de Godot. 

Nós fomos o seu Godot nessa noite, os únicos a aparecer. A noite foi simpática - os pratos, comida portuguesa de petiscar com um toque pessoal, souberam bem e não foram incomodativamente caros. 

Mas que ar de fim de festa no ar.

Mas que ar de fim de festa neste país. Quantos mais vão ter de falir para se perceber que se está a percorrer o caminho ao contrário?

E o que faz a ARESP, o que faz a ACPP, o que fazem as escolas de hotelaria e turismo para além de gemer, protestar baixinho, reagir?

Onde a proactividade? Se é quase declarada a intenção do Estado de dizimar grande percentagem do sector, quando é que os principais interessados no mesmo - os seus actores - começam a fazer diferente?

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

O mercado do Fialho

(Fonte: Arquivo Fotográfico Municipal)
 "Os gongs da Sé dão de repente quatro e meia—a hora das carroças que vão para o mercado. Eil-as que vem pelas quarenta portas da cidade, aos solavancos dos bois e das muares, com seus rodados biblicos e antigos. Algumas enormes, com os taipais em corbeille, lúgubres como sarcófagos, vem acoaguladas de ramas e canastras. Hortaliceiros guiam-n'as com gestos d'automatos, as grandes botas cruas, té á rotula, o varino no tronco em grandes pregas, e de barretes, aproados como mitras, a aguilhada ao hombro, dil-os-hieis colossaes evocações do mundo heróico, restauradas sobre uma entrada dos exércitos de Xerxes, em plena Grécia ...

(Fonte: Arquivo Fotográfico Municipal)
Outras, mais curtas, fueiros hirtos no ar. espendurando carne de boi, sangrenta, em nacos musculosos, parecem evocar, n'aquella nocturna sombra, lendas de patibulo, e na dianteira, em pé, uma espécie de gnomo barbaceno, arregaçado, d"azorrague na mâo, gorro de pelles, agita os braços, cinge de golpes a mula, entre jactos de pragas e expectorações de raiva biliosa. E approximando-se do mercado, o cortejo engrossa, carroças ás dezenas, jumentos com ceirões, grandes cavailos pernaltas, com pyramides de bilhas e de fructas.

(Fonte: Arquivo Fotográfico Municipal)
Aquillo formiga, confunde-se, agglomera-se; depressa o vozear toma phrenesis de lufa-lufa. no momento em que, vibrada a sineta do mercado as portas se abrem, e no vasto âmbito da praça as primeiras golfadas de provisões estatelam a sua turgencia horticula e a sua pantagruelica confusão. Desde essa hora, a agua-forte que primeiro esboçara na meia sombra, episódios desconnexos, toma de chofre linhas de quadro formidável. O mercado é sinistro, todo de ferro, acachapado e com torrellas nos ângulos, zimboriadas de negro, onde um ou outro laivo de metal chammeja cruamente.

Por cima o céu fúnebre, com aguaceiros pingando de bojo das nuvens muito baixas, restringe a elevação do olhar para as alturas, abafa os prédios sob fuligens trágicas, coladas, que o vento remeche sem conseguir mostrar pelos farpões, os azues d'alva. E os gallos cantam, vão-se abrindo um a um os cafés d'entomo á praça: é o Despique, o Valenciano, o Diogo, as tabernas de ginja, as baiucas de vinho e d'aguardente — Meio curto! —Duas bebidas brancas!—Cabaz!— Café e pão!

Enquanto as carroças aguardam lhes chegue a vez do descarrego, pares de gallegos trazem e levam dos depósitos perto, a pau e corda, montes de hortaliças: fios de gaz bruxuleam entro as naves da praça, como cirios accesos ante o altar do deus estomago, e os asphaltos abarrotam cada vez mais do provisões, um cheiro de hortaliça esmagada esthesia a narina; cinco horas! seis horas!. —e é quando entra do prostíbulo e da batota a gente que apodrece, e quando sae para a labuta a gente que trabalha."

(Fonte: Arquivo Fotográfico Municipal)



FIALHO D'ALMEIDA
Vida Irónica
(JORNAL D'UM VAGABUNDO)
2.a EDIÇÃO
LISBOA
LIVRARIA CLÁSSICA EDITORA DE A. M. TEIXEIRA
1914