segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Santa cefalópode


Chamam-lhe a capital do polvo em Portugal e fazem por merecê-lo.



Santa Luzia, no concelho de Tavira, poiso seguro para as aves de arribação da urbanização vizinha tem à disposição do visitante vários locais de referência para o demonstrar.



Tive, o mês passado, a oportunidade de experimentar dois desses santuários e não posso dizer que discordo da pretensão.

[Pausa]

Descanse-se a viatura junto à ria - de preferência à hora do Sol indeciso entre o laranja e o vermelho - e peregrine-se lentamente, passeio necessário de preparação mental, de lenta absorção do remanso vespertino: o cérebro comanda a vida levado pelos sentidos e nada melhor que umas sinapses descontraídas a passar informação entre neurónios de bem com o mundo. Saibam que qualquer refeição é o Nirvana depois de um passeio assim.





[Fim da Pausa]

Siga-se então a setinha urbana que decifra o caminho para um primeiro encontro.


Sala funda, antiga taberna, passado acentuado pela rusticidade pretensa de cadeiras e atoalhados. Pão algarvio que não atinge a excelência do vizinho mais a Norte mas não trava a gula.


Maionese de raia, numa textura que surpreende os neófitos pelo inusitado - para um peixe: fiapos (a raia desfeita) envoltos em maionese e batata, um prato descomplicado e estival.


Polvo suado, especialidade da casa, infelizmente para lá de Marraquexe em termos de sal. Seria do dia, da cozinheira, do espirro simultâneo com o gesto de temperar? Diz quem é habitual que terá sido certamente defeito e não feitio. Infelizmente não repeti para confirmar. Nos intervalos dos goles de água para amenizar a maresia, deu para perceber um polvo bem amaciado na cozedura, untuoso pelo espesso molho. Cartaz do restaurante, a obrigar a mais atenção.


Quanto ao serviço, de igual só tenho memória numa Vila Real de Santo António de há quarenta anos, adormecida num Portugal turístico-amador: simpático, mas como os Fórmula 1 em pré-coma de desistência com a caixa de velocidades encravada em primeira. Oh descanso de quem sente não precisar de se apressar para manter a clientela!


A Casa partilha os pergaminhos com a sua vizinha e ex-irmã mais velha. Em frente à ria, com uma esplanada que apetece viver até à exaustão dos petiscos, introduziu-me a mais uma soberba variação do atum, uma Estupeta acompanhada à guitarra e à viola por tomate e pimento, numa combinação que só não me fez chorar por mais porque me apressei a repetir. Benditos séculos de tradição que tão bem souberam aprimorar este manjar de terrenos deuses!


Muito bons também os Rissois de polvo, de massa sapiente em sapiente fritura, sem traço de excessivo óleo, a enroupar um muito bom recheio. A convidar a uma tarde inteira de guloso mordiscar.


Por fim, tiras de tradicional Choco frito: novamente bem fritas e bem secas, com a carne tenra, sabiamente afastada do emborrachado que resulta de uma preparação descuidada. Muito bem, muito bom, muito fiquemos mesmo por aqui a apreciar o final do dia.


Está-se bem servido nesta santa luzidia de tanto calor.


Ver Gastrossrestaurantes em Santa Luzia num mapa maior

O Alcatruz
Rua João António Chagas Pereira, 46, Santa Luzia, Tavira
Tel.: 281 381 092

A Casa
Av. Eng. Duarte Pacheco, 10, Santa Luzia, Portugal
Tel.:965 084 207

sábado, 27 de outubro de 2012

Entrar pelo Cano

Comecei a saber do Cano muito antes de o visitar.

Ele era a terra dos pais de uma grande amiga.

Ele era o Herbert Viana a dizer que lá tinha entrado depois de, gaiatamente, ter entrado num navio.

Finalmente, foi uma neurovoz a encomiasticar a vila como a base da melhor salsicharia do país.

Num daqueles dias estivais que agora nos parecem tão afastados mas que só foram há bocado, aproveitando o caminho para o Sul, fiz o curto desvio e lá entrei pelo Cano, à procura da D. Octávia e do produto das suas mãos.

Oh maravilha.




A xara que se derrete na boca e nos faz abençoar o intelectual reco pela excelência da sua cabeça; as linguiças e chouriços, tostados pelo álcool numa barrenta canoa, salgadas provocações de mastigar lento e que nos enchem daquele torpor feliz de quem prova um pedacinho de paraíso; a barriga afirmativa que atira para lá da fronteira o que lá da fronteira tem vindo a cavalo de subserviências envergonhadas pela pretensa falta de equivalentes nacionais.



Ajoujado pelo peso resultado da gula desenfreada, da salivante boca, do reflexo no balcão dos meus brilhantes olhos a antever pantagruélicos e mais pantagruélicos festins nos dias vizinhos, saí cambaleante para a adormecida rua do vespertino Sol alentejano e logo me assaltou a inquietação que se transformou em dúvida: "Então por aqui também não haverá queijo que se coma?"

(ah, queijo que se coma... como se houvesse queijo para não se comer... o que há é coisas para não comer que deveriam ser proibidas de se chamar queijo)

Que havia, pois havia, na rua mesmo ao lado, a Queijaria Saianda.


Paletes. Paletes de queijo de ovelha, à nossa espera. Ainda pouco curado, pouco também resistiria nos dias subsequentes, um após outro...


"Então e o pão? Estamos na terra do melhor pão de Portugal e vamos comer queijo e enchidos com sucedâneos menores? Não há por aqui uma padaria aberta?"

Havia. Que estava fechada mas que batêssemos ao lado porque já deveriam estar a fazer os bolos para o dia. E estavam. E abriram e venderam felizes que aqui não há horas públicas para vender e todo o cliente é um amigo e um objecto de desejo.


Ah, o alentejano pão, cujas cópias lisboetas tão próximo ficam do restauro do Ecce Homo de Borja! Quão difícil é conseguir conjugar tão perfeitamente este estaladiço da crosta, o amargo do miolo, o aroma - o aroma! - desta obra de arte!


Ainda bem. O reencontro, por longínquo e demorado, sabe tão melhor.

Faltava ainda o vinho, mas isso são contas de um próximo rosário. Fiquem com os mapajuda e peregrinem, peregrinem até que as rodas vos doam.


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Ver Coisas do Cano num mapa maior

Salsicharia Canense
Rua de São José, 7470 Cano
Tel.: 268 549 203

"Somos uma empresa familiar e como o próprio nome indica apenas as pessoas da família trabalham nesta empresa. Nestas condições temos a possibilidade de efectuar a venda ao publico todos os dias da semana incluindo fins de semana. de 2ªf a Domingo das 8:30h ás 20h. Os nossos produtos são fabricados como tradicionalmente as pessoas mais antigas os fabricavam. Apenas utilizamos tripa natural, ou seja, não utilizamos nenhum tipo de tripa plástica. A massa de alho e pimentão somos nós que a fazemos para adicionar à carne que migamos após desmanchar o porco. Não mandamos vir carne ou porcos por desmanchar. Matam o porco no matadouro e nós desmanchamos e separamos a carne na nossa salsicharia. Após a carne estar migada e temperada e em condições de encher, já podemos fabricar o nosso enchido. A fase final passa pelo fumeiro e este é um simples fumeiro que cura a carne com lenha de azinho. Não temos sacadores eléctricos nem nenhum tipo de estufa. Após algum tempo no fumeiro o enchido está pronto a ser comercializado. Os produtos que comercializamos são os típicos da nossa zona e estes são:
  • O chouriço de porco preto
  • A farinheira de porco preto
  • O chouriço mouro de porco preto ( morcela)
  • A cabeça de xara
  • O paio de porco preto
  • O painho de porco preto
  • O lombo enguitado de porco preto
  • A peça do lombo de porco preto
  • A cacholeira de porco preto
  • A paia de toucinho de porco preto
  • A banha simples ou temperada
  • A morcela cozida de porco preto
  • O toucinho de porco preto
Os nossos enchidos são todos fabricados com carne de porco preto e temperados apenas com produtos naturais como alho, sal e pimentão."

Queijaria Saianda
Rua St António 50 , 7470-032 CANO
Tel.: 268 549 230

Padaria “Boavista”
Rua da Boavista nº 19, 7470-027 Cano
Tel.: 268 950 081
Encerra aos Domingos

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Sentido adeus



Tão cedo passa tudo quando passa!

Perto do Guincho viveu durante meses, acarinhado pelo seu criador e por todos os que, rendidos uma primeira vez, logo retornavam, ávidos de serem desafiados pelo perfume, descompassados pela textura, descontrolados pelo sabor. Infelizmente poucos - oh so few, so very few...! - foram insuficientes para garantir a sua solvibilidade.

Partiu agora tão cedo desta vida descontente.

A nova carta do Oitavos está cheia da água na boca.

Mas este cachocroute, este hot dog, este cachorro-da-minha-estimação-oh-és-tão-bom-que-te-levava-já-para-casa-com-garantia-vitalícia-de-substituição-imediata-em-caso-de-dano-roubo-explosão-ou-degustação foi descontinuado.

Estou triste.

Por vocês que nunca mais este ano o poderão descobrir.