sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Crónica dos dias que passam



Agosto em Lisboa já não é o que era.


Ruas desertas, restaurantes de porta fechada, cafés de esplanada recolhida e cartãozinho na porta a informar os excelentíssimos clientes do encerramento para descanso anual, a sensação de ser o único (e o último) ser vivo a ter ficado para trás na colectiva debandada estival, acentuada pelo calor opressor e pelo silêncio do trânsito. A "terra" ou os algarves, a Costa da Caparica ou as praias mais snobes (ainda não era o tempo das praias "colunáveis" ou "in") tudo aparecia apetecível para fugir ao destino desertificado dos que ficavam. E aos que ficavam, seres estranhos tocados pelo infortúnio ou por uma inexplicável loucura, nada mais restava que permanecer na penumbra do lar, à espera do Setembro redentor.


Felizmente - ou infelizmente... - esse tempo acabou. Há turistas aos molhos - ainda que maioritariamente confinados ao eixo Baixa-Belém - férias repartidas, diminuição do rendimento disponível, Verões alternativos disponíveis noutros pontos do globo. Lisboa mantém-se compostinha de gente.


Agosto em Lisboa já não é o que era.


Mas continua a ser um tempo de menor velocidade, de peregrinações a portos seguros de bem comer, de escolhas certas, de cumplicidades.


O Fidalgo continua a oficiar com competência e as sugestões de vinhos são sempre boas surpresas.


Filetes de peixe-galo macios no interior e de cobertura estaladiça e açorda lisboeta pastosa e húmida como deve ser.





Medalhões de javali, tenros, a desfazerem-se no primeiro mastigar. Um belo repasto.



Mas os filetes são como a palavra cerejas: atrás de uns vêm outros e o desejo de mais. E que outro céu em Lisboa há que outro porto de abrigo em Lisboa existe para os recolher melhor do que o Pitéu?


Ruma-se assim até à Graça tão linda e tão boa para uma noite de consolo. E mesmo de motores ainda em aquecimento, mesmo com o cozinheiro com a mão fria das férias, eles nos aqueceram a alma.


E assim vai Lisboa da canícula...

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

I scream!!!

Lendariamente, o mundo da pub é um lago de brilhantismo e criatividade, de ideias magníficas e génios a produzir nas cercanias da velocidade da luz.

De vez em quando o pano escancara-se e o lago mais não se revela do que um charco lodoso onde nem as lesmas parecem ter sobrevivido.

Este comercial é pior que mau: parece um contra-ataque da concorrência a deflagrar como napalm na mente de cada consumidor sempre e quando tenha a veleidade de pensar em comprar uma coisa daquela marca.

Que trauma de infância relacionado com gelados envolverá cada uma das eraserheads envolvidas na sua criação?

Bleurk, bleurk, e be-leur-k.

Carnívutas or so it says


"A field guide to the modern foodie, from carniwhores to gastrosexuals"

Aíóóóó!!! Volto atrás para ler melhor. Sim. A Eater citou a citação e na citação lá está: não sei quê e não sei quê (o quê agora não interessa nada) de não sei quem até... isso -  gastrosexuals.

GÁS - TRO - SEXUALES

Sou eu. Com o erro dos esses - que deverá ser imputado ao não acordo wordtográfico luso-anglófilo - mas, nonetheless,  moi.

(Curioso como o blog chega mais depressa ao mundo anglo-saxónico do que à grande imprensa portuguesa... A crise, claro, esta crise que nos põe deprimidos e sem condições para falar dos bem-modernos gastronautas nacionais...)

E porquê eu? Who knows? Who cares? WHO rocks? (Townsend e Daltrey, naturally e naturally o Moon se não tivesse partido há décadas)

Abra-se um parêntese - ( - para uma abordagem sucinta ao/à autor@ da frase: Ruth Bourdain, personagem fictícia que sort of homenageia duas reais personagens da estimação de muita gente,  yours truly incluindo (o amor corresponde-se ...), Ruth Reichl e Anthony Bourdain e que oficia na net com tanta perspicácia que foi objecto de distinção nos Beard Awards (assim uma espécie de prémios da Academia Portuguesa de Gastronomia em versão americana) variante Iúmor. E que anuncia para o princípio de Setembro a data de lançamento do seu primeiro livro "Comfort Me With Offal", nome do site que titulariza.

Est@ RUBO é politicamente incorrect@, desbocad@ e chei@ de bom senso (basta ver... acertaram... o destaque que dá no livro aos gastrossexuais). Leia-se esta lista de temas incluídos no autoproclamado Manual para Comer, Beber e Acariciar comida:
  • Um guia de campo dos foodies modernos, dos carnívutas (em americano o trocadilho é mais eficaz: carniwhore/carnivorous) aos gastrossexuais;
  • Um taimelaine da alimentação, do aparecimento do homem à era moderna;
  • A importância dos penteados dos chefs colunáveis;
  • Mente, Corpo, Palato: Gastro-iôga com Ljubomir Stanisic (o instrutor no original é Rick Bayless mas quem diabo é, para a esmagadora maioria da multidão nacional que me lê, o Ricardo Sembaía? O Ljubo é o cozinheiro mais zen da zona da Península Ibérica que fala português - assim percebem a ideia. D@ RUBO. Acho. Que vocês percebem. Não eu. Ehr, eu percebi, vocês é que... uareva);
  • Atingindo o potencial orgásmico (sem i; não comecem já a imaginar orgias tipo asterixnahelvécia; e orgiásmico só existe na vossa cabeça - é orgiáchico) do chocolate;
  • Frases culinárias de engate (presumo que algo menos oleoso do que o tugaríssimo ó-brasa-chegataqui-ao-bifi) ;
  • Os vinte tipos de miudezas que precisa de comer antes de morrer;
  • Exercícios fundamentais para muscular as papilas gustativas;
  • Conselhos para criar um bébé gastrónomo;
  • Como se preparar para um apocalipse vegan;
Pronto. Eis-me descoberto variante dos nobre clã dos foodies da modernidade. E não fui eu que disse - foi o Bourdella.

Ai não. Esse é outro cyborg. Foi o Rudain. Isso.

Foodie. Modernaço.

Nem sei se vou conseguir dormir.



Esperem lá! Foodie???? Comilinho??? Isso é uma despromoção! A minha mãe desde pequeno que me chama comilão!

Bah para estes escritores da moda.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Extra! Extra! See all about it!

É oficial. Antecipando-se a toda a imprensa especializada, este humilde gastrossexual apresenta urbi et orbi gastronomicus a nova versão do iPhone desenhada especialmente para - no colorido dizer de um filisteu de além-mar - gastrochatos.

Assistam e corram a comprar... quando estiver disponível no mercado.



Nota: Qualquer semelhança entre este post e as notícias habituais nos jornais de referência durante a silly season deve ser coincidência. Mas não garanto.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Bem Martins!



É como nas calçadas quando uma ignorada semente entre dois calhaus floresce: neste negrume de alento, nesta overdose tripartida de hipertudos, sementes casmurras e completamente esquecidas de rácios de crescimento, rentabilidades e outras financeiropornografias, criam oásis de requintes, espaços alternativos que deveriam ser a norma (mas traria tanto prazer a sua descoberta se assim fossem?) e onde se encontra tudo aquilo que gostaríamos de ver quotidianamente na nossa cozinha.

Mem Martins. Sim, Mem Martins, lá no início do IC19, terra de bela arquitectura maneirista (é uma maneira de dizer "arquitectura") e pensadas áreas públicas (ainda que esse pensamento tenha sido lobotomizado pelo caminho em nome da falta de tempo ou de dinheiros públicos ou do que quer que estivesse mais à mão para justificativa), viu nascer o mês passado um desses espaços. Insondáveis mistérios da fé no produto que se oferece e no projecto que se lança! Nada de locais na moda ou de vizinhanças colunáveis: apenas uma loja disponível com condições favoráveis e a força da convicção.

Cozinha Alternativa é o nome do projecto e João Sales o do seu mentor.



A fixar bem porque o projecto envolve muito mais do que o mais que meritório serviço público de fazer chegar às populações citadinas produtos agrícolas de qualidade



- biológicos da Horta do Adão,



tradicionais da mui nobre e sintrense Assafora, do Sr. Joaquim e da Dona Ema. Cursos de culinária, workshops, formação, planos de dieta, tudo sob o lema "Comida vital = Energia vital".

Voltemos ao produtos.












Biológicos ou de cultivo tradicional não intensivo, são um regalo para os olhos e para o palato. E surpreendentemente, neste momento de dificuldades, os preços são... justos. Sem a especulação que parece atacar muitos dos mediadores "biológicos", João Sales defende uma opção que se agradece: a de um preço que cubra os custos de produção e garanta uma margem decente sem ser exagerada para agricultores e possa ainda pagar a manutenção da loja. Nada mais.

A visitar em peregrinação porque se agradecem os sabores e estes esforços devem ser premiados por nós, consumidores agradecidos.

Cozinha Alternativa
Rua da Azenha, nº24 – C, 2725-231 Mem-Martins

sábado, 18 de agosto de 2012

O meu lestaulomóvel favorito



Mais duas sessões-muito-boas-sessões ali para os lados do coiso (não esquecer de virar primeiro na primeira rotunda ao lado).


Ao contrário da comida sebosa que por aí mainstreama, esta não faz mal ao coração - é comida de coração.


Genuína na simplicidade, simples na confecção e de um saber e sabor que nos aquece e ilumina o serão.


Faça-se por ignorar o sinosobrolho erguido e o sorriso que traduz embaraço e alguma desconfiança (principalmente pelo aparato fotográfico a tiracolo): ganha a confiança, as partes aliviam o constrangimento e a partir daí é só sobre comida.


Que é como deve ser.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Canitos

Terra de desertos crismados por um camelo, o Alentejo é aquele lugar no coração que nos fica em Portugal.

Habitat de gostos fortes. De temperos próprios e combinações simples que nunca serão simplistas.

Se a Karen Blixen tivesse vindo para Campo Maior ao invés do Quénia nunca teria escrito, por falta de maior emoção, I once had a farm in Alentejo, antes gerando para a posteridade um pantagruélico I always had a tremendous time at table in Alentejo. Engordaria e seria opiparamente feliz com o seu barão, caçaria beldroegas e poejos ao invés de leões, sem tempo para bocejos ou aviadores, fascinantes que eles fossem.

Grande Alentejo.

Tome-se Grândola como exemplo. Fossem capitalistas os ventos dessa temporada-no-lado-de-lá que o país viveu em 74/75 e a cidade seria hoje um Dubai graças aos direito de autor pelo uso do seu nome na canção mais tocada de então. Valeu a solidariedade para que tudo continuasse pachorrento e contemplativo; o Sol continua sem fazer sombras de oitocentos metros e ninguém passou a usar batas brancas até aos pés.

(Esta crónica vai dar a algum lado? Vai.)

Grândola, vila morena, alentejana e portuguesa. Terra de bons poisos para comer. Lá perdido num perdido parque de estacionamento encontrámos um desses locais, a viver um porventura momento de descanso da trabalhêra estival.




Lindo, lindo. Um único reparo: não faria muito mais sentido, não seria muito mais defensor da língua e da cultura alentejanas que se publicitasse o prato principal deste perfeito restauromóvel como CANITOS?

O tempora o mores...

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Hamburgueres, porque não?

(Prévia nota: que invenção a deste acordo gráfico - diz-se hambúrguers, mas escreve-se hamburgueres, o que devia querer dizer que se leriam hamburguéres... Ou não? Porque é que, ao invés de aportuguesar a palavra, não se traduz - como no Brasil - por hamburguês/hamburgueses ou se inventa um neologismo - à maneira francesa - por exemplo, picadês ou chatopicado ou chichada?)


Ponto prévio esclarecido, notícias de um produtor de muito apetecíveis queijo-chichadas. No coração do Príncipe Real, uma pequena casa (duas mesas, oito lugares e mais uns ao balcão) que passaria despercebida não fosse o rumor boca-a-boca que se vai espalhando - os x-burguers do Honorato são mesmo bons.


É de ir espreitar e experimentar. Gosto especialmente do pormenor da separação da carne e da salada por uma entremeada do pão de modo a não aquecer a segunda com os sucos da companheira proteica.

Ambiente descontraído, pormenores decorativos divertidos.





Honorato Hamburgueres Artesanais
Travessa do Monte do Carmo, 19 (paralela à Rua da Escola Politécnica, próximo do Instituto Britânico)
Tel.: 214023686 - 962954987