Conta a pequena História que, a 16 de Março de 1811 se preparava o comandante do exército da III Invasão francesa, Marechal Massena, para cear no Palácio que ocupava na Lousã, pertença do Desembargador Bernardo Salazar, quando a notícia de mais uma derrota da retaguarda do seu exército o fez abandonar apressadamente o local. Wellington, o general inglês que o perseguia, chegou a tempo de encontrar a ceia ainda quente, deliciando-se com o manjar preparado.
Melhor lhe terá sabido este que o sucesso em mais uma escaramuça - imagine-se o bárbaro inglês, habituado a uma
dieta insular agravada pelo rigor da campanha militar, a degustar o requinte francês de que já na altura os napoleónicos citoyens não prescindiriam...
Menos de um mês depois, as tropas francesas eram definitivamente expulsas pelo exército inglês e o problema do país passava a ser, o como e o quando se conseguiria livrar de tão permanente e já indesejado hóspede. Só nove anos depois a revolução liberal, aproveitando a ida ao Brasil do governador militar e regente de facto Beresford, conseguiria alcançar tal desígnio.
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(Melia Palácio da Lousã: Fachada principal (fonte: site do hotel) |
Dois quase inteiros séculos depois, na mesma casa, sucessivamente aumentada e engrandecida, caída em decadência, recuperada em todo o antigo esplendor, estabeleceu-se o Melia Palácio da Lousã e, no seu seio, o restaurante Viscondessa. Quis a ironia do destino e a aleatoriedade humana que, a chefiar a sua cozinha se encontre mais uma vez um francês, Yves Grandmottet o qual, depois de passagens por restaurantes "Michelinados" de França e Inglaterra aqui nos delicia. Ora para a parte portuguesa da (nova) história fomos nós os escolhidos e também um Wellington teve direito a nela figurar em lugar de absoluto destaque.
Experimentámos o restaurante em duas noites consecutivas.
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(fonte: site do hotel) |
Na primeira, chegados em cima da hora do fecho, mercê de uma viagem longa, fomos objecto da simpatia dos responsáveis que nos permitiram a entrada ainda que já só tendo disponíveis os pratos do dia:
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Tibornada de bacalhau´ |
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Chanfana de porco preto |
Dois pratos visualmente apelativos, de excelente preparação, ainda que a adição do vinagre na tibornada me pareça totalmente contraproducente. Agride o vinho com que a acompanhamos e se a intenção era diminuir a gordura natural do prato, pecou em muito, por excesso. Com a adição da couve, o prato pende para uma evocação da roupa velha o que pode desiludir quem vai em busca de uma rigorosa tradução do que o nome indica.
Já a chanfana, tradicional e localmente preparada com carne de cabra velha (ou carneiro) e preferencialmente servida no dia seguinte à da sua confecção, é aqui tomada de empréstimo para uma preparação com porco preto. Casa bem o bácoro com o saber culinário dos cozinheiros: um ponto perfeito. Fiquei com algumas dúvidas em relação à utilização do vinho tinto - teria entrado na confecção? O prato soube-me tão bem que confesso que me perdi nesse detalhe; e agora a fotografia parece indicar que não...
Abandonando a tradição nacional, a sobremesa experimentada,
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Coulant de chocolate |
com
sorbet de framboesa e
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ananás |
mostra um chef nas suas sete quintas. Belo
sorbet, belíssimo
coulant!
No dia seguinte, com tempo, pudemos flanar pela lista, indecisos perante estas (entre outras) tentações:
- Tortilla de Paio Ibérico; Omeleta de grelos frescos e Queijo Rabaçal; Salmão com crosta de requeijão; Mil-folhas de polenta;
- Cabrito assado no forno; Frango de campo com sabores orientais; Lombos de veado em molho de cognac; Bife de lombo com murrilhas;
... que ficarão para outras visitas, já que optámos por
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Tamboril com risoto de camarão |
O peixe, grelhado, assume uma leve sugestão de carne dada pelo toucinho que o envolve. Infelizmente o ponto estava ligeiramente ultrapassado. Já o risoto, feito com a água de cozedura do camarão, estava provocador, perfumado que tinha sido com um pouco de
pesto, com um ponto correcto (um al dente aceitável).
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Bife do Wellington |
Um esplendor de sabor, com a massa folhada bem impregnada dos sucos libertados pela carne que envolve. Carne no ponto certo. Batásticas, as batatas. Os legumes, o menos conseguido.
Já a sobremesa que encerrou esta bela experiência
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Duo de sabores: sorbet de baunilha e gelado de framboesa |
revelou os dotes da cozinha nesta área - em altíssimo lugar.
E a noite cálida foi boa companheira para um passeio digestivo por entre a bem conservada arquitectura oitocentista da vila.
Em que ficamos quanto a apreciação final?
Nota alta para o espaço, tanto o do hotel quanto o do restaurante
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(fonte: site do hotel) |
ainda que o interior seja demasiado formal para o meu gosto - o bem comer é uma experiência demasiado sensual para ser espartilhada com formalidades em excesso. Muito melhor é o terraço que, ainda que só possa oferecer esta vista
durante o dia, põe ao dispôr a tranquilidade da noite para nos ambientar.
Serviço muito bom, com muita juventude mas em procura constante do rigor da abordagem e da assistência: atento, simpático, disponível. Pudessem
outros espaços mais badalados oferecer o mesmo...
Como não poderia deixar de ser, guardanapos de pano e talheres user friendly.
Estacionamento fácil ainda que situado nas traseiras do hotel o que implica uma subida de algumas dezenas de metros. Serve para abrir o apetite...
Apreciação global: a frequentar em absoluto em caso de estadia, principalmente ao jantar, depois de um dia em passeio pelas belezas naturais do concelho. A experimentar em qualquer dos casos se em passagem.
Nota final: 4,25/5