Sempre viveu de hierarquias sociais, este crustáceo bigodudo, tendo em cada burguesinha dona-de-casa de formação culinária tradicional (“quanto mais pequenos mais saborosos!...”) e em cada rotundo amante de mariscadas (“quanto maiores melhor!!!”) os extremados representantes da espécie consumidora.
O seu consumo foi um dos principais beneficiados com a multiplicação de cervejarias nos finais de oitocentos, princípios do século seguinte e a necessidade de fornecimento de um acompanhamento leve para o líquido servido.
Esta sopa parece nascer como um subproduto originado nas sobras de cascas e cabeças. Se ao corpo degustado nas mais variadas preparações correspondia uma existência de invólucros, enriquecida com o sabor concentrado das cabeças alguém terá pensado e melhor feito em recolher tais dádivas numa preparação muito simples e, de certa maneira, económica.
Terá sido uma varina nas noites longas em que o seu pescador andava na faina? Um velho marujo habituado às sopas de peixe e sem outra matéria-prima que não estas sobras para a recriar?
Sendo hoje figura habitual em mesas ricas, renomeada em francês (“consomée”) e acompanhada de aditivos nobres ou cosmopolitas (como o são o vinho do Porto ou as natas), este é a Amália dos caldos, subindo pelo seu talento a íngreme escala social, das vielas de um bairro popular aos salões aristocráticos deste mundo. Que cumpra então esse fado até ao fim – até os mares permitirem a procriação das criaturinhas – e saiba ser visita de privilegiados e menos afortunados, já que, como ao fado, saboreá-la é não mais a esquecer.
Tem a beleza das coisas simples, a preparação desta sopa, e resume-se em três passos: cozer o camarões, preparar um caldo a partir do sabor de cascas e cabeças, engrossar a sopa.
Veja-se então:
1. Os camarões - 750 gr – depois de bem lavados, são cozidos durante 2 a 3 minutos em 0,5 l de água com sal, reservando-se. Depois de arrefecerem, descascam-se.
2. Refogam-se – 2 cebolas e 2 dentes de alho – num fundo de azeite ao qual se juntam as cascas e cabeças, deixando-se apurar. Acrescenta-se – 1,5 l de água – e deixa-se ferver durante 30 minutos. Leva-se ao passe-vite para extrair o máximo de líquido possível o qual se junta à água da cozedura.
3. Numa frigideira, em lume brando e com atenção indispensável, torram-se - duas colheres de sopa de farinha – até atingirem um tom castanho médio. Ao caldo de cozedura e ao líquido da prensagem junta-se a farinha diluída numa pouca de água, mexendo para evitar grumos. Dois minutos depois, junta-se o camarão.
A sopa pode dar-se por concluída caso o colesterol ou outra das deficiências da moda aconselhem prudência e pouco mais que caldos de galinha. No entanto, a variante rica é uma guloseima que merece – pelo menos uma vez! – a capitulação ao pecado da gula: acrescentem-se duas gemas misturadas com um pouco do caldo, mexendo sem parar para não cozerem em pedaços, 1 cálice de vinho do Porto e 1 colher de manteiga.
Servir acompanhado de croutons (versão globalizante) ou quadradinhos de pão fritos em azeite. Ainda que aceitável pelo sabor e pela melhoria dietética, o pão torrado tem a desvantagem de se desfazer rapidamente no líquido, desvirtuando o carácter crocante que se desejava obter.
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