Capital feita de imigrações desde que o desígnio dos homens, face à segurança do espaço e à riqueza da terra, a transformou em centralidade de uma região primeiro e de um país depois, Lisboa soube criar uma tradição culinária que, radicando a sua origem e inspiração nos berços da população imigrante, a soube transformar e evoluir, dando-lhe algo de seu, deste sentir de pôres-do-sol junto ao rio, de hortas nos limites das ruas, de colinas pontuadas de limoeiros e nespereiras, da varandas perfumadas com potes de aromáticas ervas, de gentes cosmopolitas mas nostálgicas do torrão natal, de marinheiros saudosos de terra firme e poetas ansiando por portos distantes.
A culinária lisboeta é, na sua esmagadora maioria, uma culinária caseira, uma lembrança dos manjares de meninice e das guloseimas maduras dos jantares familiares. Ao contrário de capitais mais ricas, não buscou nem o brilho de palácios nem o fausto de restaurantes dispendiosos de industriais bem-sucedidos. Soube dosear a riqueza que as redes dos pescadores lhe deixava à beira-rio com a diversidade de legumes que a generosidade dos vales envolventes permitia. Descobriu a magia dos refogados; aproveitou os ensinamentos sobre ervas e especiarias que conterrâneos e exploradores lhe ensinaram. Finalmente, soube não esquecer o legado da miríade de conventos que a sua gula alimentou durante séculos.
De tudo isto se fez uma cozinha que, não sendo regional, é a de uma região onde se concentra cerca de 30% da população portuguesa. E onde, com toda a certeza, novos e velhos, migrantes ou alfacinhas de gema, se reconhecem. Em si contém um bocadinho da origem de cada um. E sendo assim, a cada um pertence também. A nós e ao outro que também é nós.
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