quarta-feira, 19 de outubro de 2011

A excelência: Restaurante Largo do Paço, Amarante

No Largo do Paço começa por impressionar a casa-mãe que o alberga e dá pelo nome de Casa da Calçada, senhora de vivência secular, palácio dos Condes de Redondo primeiro, da família Pereira do Lago depois, quartel general em tempo de invasões francesas, cenáculo político em tempos de Primeira República, construída, reconstruída, reconvertida há uma década em hotel de charme.


Sobrelevado em relação à entrada, como mandam as estratégias do poder (que me lembram sempre a diária ascensão a que são obrigados pelo génio de Duarte Pacheco todos os habitantes do Instituto Superior Técnico), o casarão amarelo de heterogéneo traço, recebe os seus visitantes.


Um interior requintado, grave sem ser intimidador, incisivo o suficiente para explicar visualmente a quem chega o que poderá esperar.




O sorriso e a competência de quem recebe são uma (agradável) constante. Mais uma vez, a capacidade de demonstrar qualidade sem esforço nem sobranceria. Terá sido por aqui que começou o caminho da estrela Michelin que o restaurante continua a exibir.

Caminho que se inicia bem e melhor continua pelo cerne da visita: a refeição.

Em visita efectuada em Setembro, foi este o experimentado.

Grissinis de várias misturas, degustados na companhia de azeite do Esporão, manteigas aromatizadas.



Cortesias do chef


"Saudações" (I):


  • Salmão com queijo fresco e pepino
  • Compota de maçã com espargos
  • Queijo terrincho e figo
Doses pequenas demais para verdadeiramente apreciar a subtileza das várias composições, vale pela função: é uma declaração de princípio e princípios - variedade, atenção dada à composição visual, conjugação de sabores e gostos, texturas e padrões.


"Saudações" (II):


Canelone de caranguejo real com avruga e maionese de caril

A curiosidade da utilização do oriental cesto de cozedura em vapor com o requinte e o labor de um canelone feito com gelatina de marisco e o gabarito da carne de caranguejo e do avruga. A textura lisa da gelatina que contrasta com a macieza da maionese, o acre do avruga, o picante dos verdes... Que bela saudação!

"Saudações" (III):


Sardinha de conserva com tomate cherry e raminho de manjericão, bombons de azeitona verde.

Não tão bem conseguido, a textura da sardinha demasiado empapada que me afectou o saborear de todo o prato, os bombons de sabor demasiado forte a desiquilibrar para o seu lado algo que já não parecia ter equilíbrio possível. No entanto, uma composição muito bonita, de extrema simplicidade que resulta visualmente.

(Pausa para descansar. Olhe-se a sala, cuide-se dos vários pormenores, das protecções das costas das cadeiras ao torneado pé dos copos de água, do divertido piscar de olho que o contraste das formas e de estilos dos copos nos atira, do pesado e ultra-clássico uniforme das funcionárias que se dissolve na sua simpatia e solicitude...)



Tempo para coisas de substância, agora.

O Bacalhau


Cozinhado a baixa temperatura com crocante de broa de milho. Cebolo e emulsão de pimentos assados. Salada de grão-de-bico com gelatina de azeitona e maionese de ervas frescas

É belo, não é? E sabia tão bem quanto. Muito bem cozinhado, numa profusão de acompanhamentos que poderia arriscar o desastre mas que se aguenta nos diversos confrontos. Mais uma vez a curiosidade do canelone de gelatina recheado com uma maionese.

O Porco bísaro




Confitado e corado com molho de vinho tinto, maçãs caramelizadas com laranja e vinagre de cidra. Trufa de rabo de boi, puré de cenoura e coco.

Esplendor barroco. Senti-me de cabeleira em cachos à moda do senhor Dom João o V, transplantado para a Londres Georgiana a ouvir numa real barcaça a estreia da música para os reais fogos de artifício. A féerie e o excesso de estímulos visuais como início. O entretenimento de identificar cada elemento. As reconfortantes boas vindas do familiar sabor do porco, superiormente cozinhado - tenríssimo de desfazer na boca, crocante a sua pele. A ligação amarga e doce de maçã e vinagre, o estilo terroso da capa da trufa e a fibra do seu interior. A tentação das flores, o tapete verde onde repousavam os frutos. Música, música nos olhos e no palato, nas memórias evocadas. Como se o mundo parasse. E, de olhos fechados, se reduzisse ao diálogo entre provador e provado. Já alguma vez o sentiram?

Sobremesas

Entendeu o chef saudarmo-nos mais uma vez, com este



Macaron de violeta e xarope de violeta com gelado de queijo da serra

o cujo iniciou uma outra expedição, desta vez ao lado prazenteiro da vida dos gulosos. Que bem se casam o acre do queijo e a doçura da flor. Para mim, excessivo o doce, mas eu não sou deste lado...



Creme brulée de baunilha com gelado de pipoca

Gelado de limoncello em cama de crocante com raspa de limão e salsa e shot de limoncello


Angelicais... se considerarmos como modelo não os canónicos querubins mas os renascentistas putti que tantas ideias terão dado aos mui pouco inocentes espectadores que, ao longo dos séculos, lhes contemplaram o habitat...

Para fechar em apoteose, um pequenino prato de degustação de macarons, bombons e trufas, uma última atenção do chef.


Profundamente... bom. Tudo.

Que mais dizer deste Largo? Que nunca dele ao largo se deve passar, sendo mesmo altamente recomendáveis regulares expedições exploratórias.

Estacionamento fácil (o hotel tem estacionamento próprio nas traseiras, a um nível superior mas de ligação interna fácil).

Classificação:  Cozinha - 4,6/5 ; Global - 18,6/20
Preço: (não sei se a refeição como o foi é norma) $$$ (>30€ ; <50€, vinho incluído)

Restaurante Largo do Paço
Largo do Paço, 6
4600-017 Amarante, Porto - Portugal
Telefone: (+351) 255 410 830

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