quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Culinária de Lisboa #21 - Peixe Assado à Lisboeta

Querida Mô,


Lisboa tem um rio que lhe serve para tudo e não lhe serve de nada. Ah, o Tejo que não é mais belo do que o rio que corria na aldeia de Pessoa ainda que fosse o rio da sua aldeia... É um lugar mitificado porque foi dele que nos chegou o mundo e a partir dele que chegámos o mundo para mais perto de nós. É um lugar belo porque nos entra pela alma dentro, em cada nesga de rua, no fundo do panorama de cada miradouro, no nosso habitar mesmo que seja nas coroas mais externas da cidade, porque ainda que invisível continua omnipresente. É também um vazadouro - só agora começamos a ser verdadeiramente eficazes no tratamento dos esgotos domésticos que nele despejamos.

E no entanto, nós lisboetas ribeirinhos, sedentos dessa presença, contrariamos nos gestos aquilo que continuamos a dizer. Construímos a cidade em fuga do rio - não sei se pela mantida lembrança do maremoto -, até há pouco tempo restringimos o acesso a grande parte da margem, expulsámos, quase até ao extermínio, o que melhor dele poderíamos extrair. As ostras passaram-se para França, as tainhas passaram-se... de um saboroso gosto para um impossível fedor e uma carne ensopada em gasóleo e enriquecida vá-se lá adivinhar com que estrumáceos adubos.

Hoje, depois de semanas e mais semanas e mais semanas de chuva - chuva de todas as formas e feitios mas sempre chata, chata, chata... - esteve um glorioso Sol a reaquecer-nos o ânimo. Fugi logo para Belém, a passear pelo caminho pedonal que têm vindo a inventar, com a aborrecente pista para Lance Armstrongs frustrados, obliviados da fragilidade dos peões que ultrapassam silenciosamente em sibilantes tangentes. Estava maré baixa e que vejo eu? Dois possantes loiros, pescoços mais largos que a cabeça, constituição de armário e pés nus metidos na maré baixa a pescar à fateixa os inúmeros peixes que se alimentavam na saída de um esgoto. Parei espantado, fascinado com tudo, a pesca que mais parecia caça à pedrada tal a facilidade com que cada fateixada encontrava a boca de um peixe pronto a ser rebocado, os preparos eslavos dos pescadores que os onze graus celsius garantiam ser Verão, as dezenas de peixes.

Ninguém parecia aperceber-se da cena, para além de mim. Será que têm noção do mal que lhes vai saber aquela pescaria, perguntei-me, será que não se apercebem do esgoto que lhes está próximo? Estariam assim tão desesperados de fome? Ei, gritei-lhes, ei! O sorriso deslumbrado que lhes iluminava o rosto quando me olharam convenceu-me que estavam tão próximos da felicidade como uma crente estaria se iluminada com a visão do Céu. Levantei o polegar e sorri-lhes de volta.

Eles voltaram à faina e eu afastei-me a pensar numa tainha de mar assada que, há décadas, me descobriu um sorriso tão beatífico como os destes dois.

PEIXE ASSADO À LISBOETA

1 peixe (cerca de 1.5 kg) - dourada, sargo, pargo, robalo, garoupa, cherne ou tainha
6 tomates
1 cebola picada
2 dl vinho branco
1 dl azeite
0.5 kg batatas
300 gr cebolinhas
1 colher chá maizena
1 colher sopa salsa

O FUNDO: No tabuleiro de ir ao forno deitar metade do azeite, metade dos tomates cortados sem peles nem sementes, metade da salsa e da cebola.

O MEIO: Coloca-se o peixe sobre esta cama.

O CIMO: Rega-se o peixe com o resto do azeite tempera-se com sal e pimenta e acrescentam-se a cebola, tomates e salsa.

O RESTO: Rega-se o fundo (não o peixe) com o vinho. Dispõem-se as batatas cortadas aos quartos e as cebolas. Vai ao forno brando, bastando 35 a 45 minutos, regando-se regularmente com o líquido gerado.

O MOLHO: Estando pronto, retira-se o líquido para uma frigideira, engrossando-a com a maizena. Deita-se sobre o peixe e vai ao forno mais 3 ou 4 minutos.

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