Querida Mô,
Naquele quente de mais de uma maneira Verão em que a menina daqui se foi, Lisboa estava efervescente. Se o país ebulia, na sua capital destilava-se uma anárquica loucura que parecia colar-se a tudo. Manifestações para todos os gostos, reivindicando umas, protestando outras, solidarizando-se as demais. Papel por todo o lado, nas paredes em policromados cartazes, jacentes no chão dos corredores do Metro, frases e frases de palavras irregularmente impressas pela má qualidade do stencil. Murais no amarelo e vermelho oficiosamente oficiais, frases imperiosas a par de ironias sibilantes na caligrafia má do pincel. Muita côr, muita excitação sob um céu pristino e um calor abrasador. Na televisão, toda esta paixão reproduzia-se na força dos discursos e na natureza dos textos jornalísticos, que só o preto e branco amenizava. Vibravam os cidadãos, uns de esperança, outros de receio, outros por contágio.
Nestas sezões, de bolsos cheios pela recém-chegada riqueza trazida pelos aumentos salariais, os operários da cintura industrial enchiam as marisqueiras da Baixa em busca do luxo culinário cobiçado toda uma vida. Com a anterior clientela emigrada ou sem tempo para descanso(empenhada que passou a estar na luta política contra o apetite hegemónico dos extremos), apropriaram-se dos espaços, transformando-se nos seus novos senhores, logo originando histórias e anedotas rapidamente passadas de boca em boca, para escândalo e menosprezo da classe média, perpetuamente no meio, perpetuamente a ver a banda passar.
Terá sido por isso que a minha relação com essas casas ficou para sempre comprometida. Lugares de muita parra e pouca uva, de matérias primas fortemente sobrestimadas, cozinhadas com desleixo para uma plateia sem cultura gastronómica, deslumbrada com o vermelho das cascas, a profusão de pinças e patas e a sua capacidade para pagar uma conta com tantos zeros. A devoção passada a vulgaridade. Uma lástima.
SANTOLA FRIA
1 santola; 1 dl azeite; 3 ovos cozidos; 1 c. chá mostarda; 2 c. sopa vinagre; 1 cebola pequena; 1 ramo salsa; pipri-piri; sal
Lava-se e esfrega-se a casca da santola com uma escova. Põe-se a cozer em água a ferver, temperada com bastante sal, durante meia-hora. Tira-se da água e deixa-se arrefecer.
Põe-se a santola de barriga para cima, puxa-se a cauda para a quebrar, a qual traz agarrada uma tripa escura. Tiram-se patas e pinças. Escorre-se o líquido da casca para uma tigela, mistura-se com uma gema cozida e bate-s ebem para engrossar. Junatm-ser os ovos picados, azeite, mostarda, vinagre, cebola e salsa picadas e a carne das pinças e patas cortadas aos bocados. Tempesa-se com sal e piri-piri. Lava-se a carapaça e deita-se a mistura que se serve sobre uma folha de alface.
Restauradores, Setembro de 1975 (Fonte: http://abril-de-novo.blogspot.com) |
Naquele quente de mais de uma maneira Verão em que a menina daqui se foi, Lisboa estava efervescente. Se o país ebulia, na sua capital destilava-se uma anárquica loucura que parecia colar-se a tudo. Manifestações para todos os gostos, reivindicando umas, protestando outras, solidarizando-se as demais. Papel por todo o lado, nas paredes em policromados cartazes, jacentes no chão dos corredores do Metro, frases e frases de palavras irregularmente impressas pela má qualidade do stencil. Murais no amarelo e vermelho oficiosamente oficiais, frases imperiosas a par de ironias sibilantes na caligrafia má do pincel. Muita côr, muita excitação sob um céu pristino e um calor abrasador. Na televisão, toda esta paixão reproduzia-se na força dos discursos e na natureza dos textos jornalísticos, que só o preto e branco amenizava. Vibravam os cidadãos, uns de esperança, outros de receio, outros por contágio.
Nestas sezões, de bolsos cheios pela recém-chegada riqueza trazida pelos aumentos salariais, os operários da cintura industrial enchiam as marisqueiras da Baixa em busca do luxo culinário cobiçado toda uma vida. Com a anterior clientela emigrada ou sem tempo para descanso(empenhada que passou a estar na luta política contra o apetite hegemónico dos extremos), apropriaram-se dos espaços, transformando-se nos seus novos senhores, logo originando histórias e anedotas rapidamente passadas de boca em boca, para escândalo e menosprezo da classe média, perpetuamente no meio, perpetuamente a ver a banda passar.
Terá sido por isso que a minha relação com essas casas ficou para sempre comprometida. Lugares de muita parra e pouca uva, de matérias primas fortemente sobrestimadas, cozinhadas com desleixo para uma plateia sem cultura gastronómica, deslumbrada com o vermelho das cascas, a profusão de pinças e patas e a sua capacidade para pagar uma conta com tantos zeros. A devoção passada a vulgaridade. Uma lástima.
SANTOLA FRIA
1 santola; 1 dl azeite; 3 ovos cozidos; 1 c. chá mostarda; 2 c. sopa vinagre; 1 cebola pequena; 1 ramo salsa; pipri-piri; sal
Lava-se e esfrega-se a casca da santola com uma escova. Põe-se a cozer em água a ferver, temperada com bastante sal, durante meia-hora. Tira-se da água e deixa-se arrefecer.
Põe-se a santola de barriga para cima, puxa-se a cauda para a quebrar, a qual traz agarrada uma tripa escura. Tiram-se patas e pinças. Escorre-se o líquido da casca para uma tigela, mistura-se com uma gema cozida e bate-s ebem para engrossar. Junatm-ser os ovos picados, azeite, mostarda, vinagre, cebola e salsa picadas e a carne das pinças e patas cortadas aos bocados. Tempesa-se com sal e piri-piri. Lava-se a carapaça e deita-se a mistura que se serve sobre uma folha de alface.
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