quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Gastroescritas: Gastronomia Siciliana

"(...)Até o beco da Companhia tinha ficado deserto, depois do meio-dia, quando todos retornam a casa ou às tabernas para almoçar, quando o calor do Verão cresce, cresce, e a controra, o período do dia napolitano equivalente à siesta espanhola, começa com os alimentos, com o repouso, com o sono das pessoas cansadas. A costureira, um pouco intimidada pela escuridão da taberna de onde saía um hálito acre de vinho, tinha parado no limiar; e olhava para o chão, antes de entrar, sentindo como um perigo de escotilha aberta, de subterrâneo, da negra boca escancarada. Mas o empregado avançou na sua direção, para a atender.

- Dê-me algo para comer com pão, disse ela, balançando um pouco.
- Peixe frito?
- Não.
- Um pouco de bacalhau com o molho?
- Não, não, disse ela, enojada.
- Uma sopa de tripas?
- Não, não.
- O que é que você quer, então? - perguntou o empregado, um pouco enfadado.
- Queria... queria três soldos de carne, comê-la-ei com pão, Nannina e eu, disse ela com uma graciosa expressão de gula.
- Não cozinhamos carne hoje, é Sábado. Só tripa, para os não crentes, é Sábado...
- Dê-me então o bacalhau, sussurrou, reprimindo um suspiro.

[...]


(Fonte: http://www.ideericette.it)

- Aqui está o bacalhau, disse o empregado, voltando.

Tinha-o colocado numa travessa: quatro grandes pedaços que se desmanchavam num molho avermelhado e fortemente pontilhado de pimenta; o molho, ondulando, deixava traços amarelos de azeite nas bordas da travessa cinza.

- Se ganhasse a lotaria - disse ela enquanto se servia, inclinando delicadamente a travessa - satisfazia a minha vontade de comer carne todos os dias.
- Carne e macarrão, respondeu o empregado.
- Sim: macarrão e carne, gritou triunfalmente a costureira, com os olhos sempre fixos na travessa, para evitar deixar cair o molho (...)
"

[SERAO, Matilde. Il paese di cuccagna. Milano: Fratelli Treves Editori, 1920, p. 2-4; Retirado de "O PRAZER GASTRONÔMICO NO REINO DAS DUAS SICÍLIAS: ENTRE O SAGRADO E O PROFANO NA REPRESENTAÇÃO LITERÁRIA, tese de Doutoramento de Fabiano Dalla Bon]

2 comentários:

  1. adoro estas historias do dia a dia, de pessoas verdadeiras, pequenas bocas de pessoas com passado e experiencias marcadas, e claro estes pratos, estes cozinhados que deixa-nos pensativos e felizes, viva a mesa rodeada de pessoas, viva a mesa com vida e altas conversas, e viva o bacalhau com molho tambem...tenho fome...acho-eu...nao é só gulosices...aie epicurien pecadore que so eu...tans-pis arrisco me a ser pecadore...obrigado para esta pequena historia amigo epicurien

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  2. Agradecido sou eu, Cyril, pelos momentos que já passámos à volta de uma mesa e que, espero, viremos a repetir! Abraço de um pecador a outro ;-)

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