terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Ceias de Natal #2 - Nova Iorque, 1962

Os portugueses são reconhecíveis em qualquer parte do mundo. Mesmo quando não comem o bacalhau com batatas ortodoxo no dia de Natal...

"Venha até lá a casa no Dia de Natal", tinha-me dito aquele compatriota. "Passa-se um bom rato. Temos polvo guisado à portuguesa e um arroz de ameijoas que o prepara Don Rufas. Vai ver que não se arrepende. Aquilo o que tem é ser casa de pobres..."

Não faltei ao convite e não me arrependi.  (...)

A casa é ali no East Side, na rua 29, entre os italianos, num terceiro andar. (...)

Dora, a dona da casa, vem à porta num riso, e ajuda-nos a tirar os abafos, as galochas que pingam neve derretida.

- Merry Christmas! Merry Christmas! (...)

Don Rufas, rubicundo e lustroso, de óculos e avental de riscado, mangas arregaçadas, charlando com o mulherio, prepara entre rolos de vapor um colossal e rescendente arroz de almejas. O meu anfitrião destapa uma panela fumegante, e revela-me o prometido polvo, chegado há dias de Portugal, no gelo. O estômago dos expatriados tem destas fidelidades.

A esta visão, a fome estorcega-me as entranhas, e confesso com sinceridade: "Não almocei, na fé de que isto era para começar às quatro!". Em resposta, metem-me nas mãos uma grossa entalada de presunto curado da Virgínia, quente, a escorrer molho, e um copo de cerveja:

- Vá-se remediando! Isto é para entreter a fome. (...)

O arroz de amêijoas de Don Rufas está de comer e chorar por mais; e o polvo guisado arranca-nos brados de entusiasmo.

- Homem, não me encha mais o copo!

Para quê resistir? Isto fá-lo feliz, e a mim aquece-me o coração. É nestes momentos de convívio que eu me sinto mais nosso, mais deles, mais orgulhoso dos simples, mais enternecido. (...)

- Vai mais um copito?
- Pois seja! (...)

E quando se abre o forno e sai de lá de dentro, com a majestade duma cerimónia episcopal, um formidável lombo de porco assado - um rolo tostado, todo atado e fumegante, nadando no molho de oiro líquido que perfuma a casa inteira, e mais, a memória deste dia pelos anos fora - não posso conter a exclamação risonha e comovida:

- Abençoada seja a fartura dos que trabalham, para todo o sempre!

(José Rodrigues Miguéis, Natal Branco, publicado originalmente em Gente de Terceira Classe, 1962, retirado de Gloria in Excelsis Histórias Portuguesas de Natal, Ed. Público, 2003)


POLVO GUISADO

1.5 kg polvo ; 1.5 dl azeite; 1 cebola grande; 4 tomates; 3.5 dl vinho branco; 1 ramo salsa; 1 dente alho

Arranja-se o polvo, lava-se muito bem e bate-se com o rolo de madeira sobre a mesa de pedra. Cortam-se em bocados regulares os tentáculos e o saco. Introduzem-se em água a ferver durante alguns minutos. Escorrem-se.

Com a cebola picada e o azeite faz-se um refogado pouco apurado ao qual se juntam os bocados de polvo bem escorridos. Junta-se ainda o tomate, tempera-se com um pouco de sal e deixa-se cozer durante 10 minutos. Rega-se nesta altura com o vinho branco e introduzem-se no tacho a salsa e o alho. Deixa-se então cozer brandamente, com o recipiente tapado, até o polvo estar macio. Rectificam-se os temperos e serve-se em prato coberto.

(in Cozinha Tradicional Portuguesa, Maria de Lourdes Modesto)


LOMBO DE PORCO ASSADO
(Viana do Castelo)

1 lombo de porco com 1.5 kg; 2.5 dl de vinho branco; 150 gr banha; 2 colheres sopa colorau doce; 6 dentes de alho picado; sal e pimenta

Faz-se uma papa com o vinho, o colorau, os dentes de alho, sal e pimenta e barra-se o lombo com esta papa. Deixa-se ficar assim durante um a três dias.

Unta-se o lombo com a banha e leva-se a assar em forno quente durante cerca de 1,30 horas, regando o lombo com o molho que se vai formando e com a vinha d'alhos que o temperou.

(in Cozinha Tradicional Portuguesa, Maria de Lourdes Modesto)

ARROZ CON ALMEJAS
(David de Jorge - ver video aqui)

1 cebola picada; 1 pitada de pimenta; 1 pitada de sal; 300 g. de arroz; vinho branco; cubo de caldo de carne; 7.5 dl água; 750 g. amêijoas; 6 colheres sopa azeite; 2 dentes de alho; um pouco de vinho branco; 1 colher sopa salsa picada

Refogar a cebola em 4 colheres de óleo. Adicionar o arroz, o sal e  0.5 l do caldo. Cozer 12 minutos.

Refogar o alho em 2 colheres de sopa de azeite, pimenta, água e vinho. Ferver um minuto. Adicionar as amêijoas e retira-las assim que abrirem. Misturar o arroz, caldo de cozedura das amêijoas e a salsa, deixar ferver alguns minutos. Adicionar as amêijoas e mexer até incorporar.

3 comentários:

  1. Em casa dos meus pais, na ceia de Natal, para além do tradicional bacalhau com couves, não falta o arrozinho malandro de polvo, a raia frita, os ovos verdes... o bolo rei quente a sair do forno... uhmm.

    Bem, já não falta muito.

    Ana

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  2. Engraçado existir por aqui um post sobre a terra da minha mãe... carrazeda de ansiães.

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  3. Pois é, Ana, lá cai por terra o paradigma do bacalhau com batatas em todas as casas na noite de Natal...
    Como é que os pais fazem a raia frita? Só frita em azeite?

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